25 outubro 2008

isabella e eloá


Estes são os nomes mais recentes da tragédia brasileira. A tragédia da violência urbana e da deterioração de valores morais, entre os quais o maior, o direito à vida. Entretanto quero me referir especialmente à outra tragédia, a dos nossos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, e seus impactos nas pessoas. Sim, “tragédia” é uma palavra apropriada neste caso também.

É claro que os nomes acima se referem aos brutais mortes da menina Isabella Nardoni, e mais recentemente, da adolescente Eloá. Em ambos os casos, o tema se tornou recorrente nas consultas e sessões psicoterápicas. Alguns de meus pacientes permaneceram horas diante do televisor, a procura das respostas a estas perguntas: o que leva um pai a tal grau de crueldade, e um jovem a tal descontrole? (E estou aqui presumindo a culpa dos indiciados, que é como a mídia trata esses casos.)

Uma paciente comentou que vira a entrevista realizada com um médico (provavelmente psiquiatria forense, ou seja, especializado numa área que estuda as chamadas “mentes criminosas”), sobre o rapaz que seqüestrou e supostamente matou Eloá. A queixa da paciente foi de que o médico nada respondeu, nada acrescentou ao que já havia sido dito, e não a ajudou a entender o “por que?” Sem a intenção de fazer uma defesa de classe, e sem ter visto a entrevista em questão, ponderei-lhe o seguinte, e se não o fiz desta forma, o faço agora: (a) possivelmente o psiquiatra não havia examinado o rapaz, que se encontrava isolado; (b) por imposição do código de ética médica, e pelo bom senso, ele não poderia emitir, portanto, qualquer conclusão diagnóstica, senão algumas hipóteses baseadas em generalizações; (c) o médico possivelmente tentou falar uma linguagem compreensível à população em geral, o que restringe sensivelmente o grau de aprofundamento sobre o que a psiquiatria pode sugerir a partir de casos semelhantes; e (d) provavelmente não houvesse mesmo, naquele momento, nada de novo a acrescentar.

Trágicos são os efeitos da cobertura desses casos pela mídia. Ora, direis – para usar uma expressão machadiana – isto ocorre em todos os países, e a Inglaterra é conhecida por sua imprensa marrom, sensacionalista. Não ocorre, entretanto, que se dê tanto espaço em horários nobres de televisão, com o claro objetivo de manter a população mesmerizada e cada vez mais envolvida emocionalmente. Sabemos que existem muitas outras Isabellas e Eloás, que não recebem o mesmo tratamento midiático. Os canais de TV exploram à exaustão os atributos talvez mais preciosos do “caráter nacional”: a generosidade, a solidariedade e a boa índole das pessoas comuns, que as levam a se identificar profundamente com o sofrimento alheio.

A capacidade da mídia de capitanear esses sentimentos é poderosa, mantendo incessantemente a expectativa de que algo de novo vai ser revelado no próximo momento. A paciente já mencionada revelou ter ficado horas a fio diante da TV, nos dias que se seguiram a este último evento, tentando entender os meandros de uma mente tão conturbada, apesar do desconforto emocional. Sofria, angustiava-se, mas não conseguia deixar de ver, como uma compulsão. Outra paciente, que revelou semelhante reação, afirmou evitar (com sucesso) assistir a filmes violentos, mas que, neste caso, não se tratava de filme...

Acontece que, assim como nos filmes de terror ou de violência, pode haver também a identificação, geralmente inconsciente, com os aspectos mais agressivos e primitivos dos “bandidos”, e esta seduz tanto o expectador quanto a anterior.

Recentemente a revista Veja publicou um artigo sobre o sucesso e a multiplicação das séries de TV americanas, os sitcoms, em que os protagonistas são violentos e criminosos. Um exemplo emblemático é “A Família Soprano”, que retrata a complexidade subjetiva de um chefe mafioso de New Jersey. Tony Soprano, o boss da família, mostra-se um pai carinhoso, um marido nada fiel, mas que sempre volta ao conforto do lar, e os laços de fidelidade e proteção com a “família”, no sentido que o termo possui na máfia. Ele até mesmo procura uma psicoterapeuta (e a produção parece ter contratado uma boa consultoria neste sentido) para ligar com suas contradições internas. O expectador identifica-se com os aspectos “bons” do personagem, mas não deixa de, em algum nível inconsciente, se identificar também com os mais primitivos e agressivos, o que faz da série, um sucesso de público.

Num momento de crise financeira, em que se discute a necessidade e extensão de mecanismos de controle sobre os mercados financeiros, talvez seja necessário também abrir a discussão sobre os possíveis mecanismos de auto-regulação dos meios de comunicação de massa no que diz respeito à divulgação desses crimes. Algo como existe no campo da publicidade e propaganda e nas indicações de faixas etárias para os programas de televisão. Ou teremos que aguardar que a sociedade se auto-eduque para não se deixar fisgar pelos apelos do jornalismo barato e sensacionalista, praticado mesmo pelos canais de TV com maior penetração e com maior poder de formar opinião. Afinal, sempre haverá quem queira fazer da violência um caminho para ter seu minuto de fama, e, como neste último episódio, pode acabar em tragédia para as vítimas, e também para a sociedade como um todo.


23 outubro 2008

van gogh



Desde sua morte, e infelizmente nunca antes disso, o pintor holandês Vincent van Gogh tem sido objeto de fascínio e curiosidade. E não apenas pelos apreciadores de sua arte, mas também por estudiosos da mente humana que se dedicam a reconstruir os caminhos que o levaram ao suicídio, em 1890. Apesar de ter vivido em completo ostracismo, um século depois o mundo o veria transformado no autor das telas mais valiosas da história e um verdadeiro ícone da cultura pop. Sinal disto é o sucesso que faz um vídeo largamente difundido na internet, em que desfilam seus quadros ao som da canção “Vincent”, que Don McLean fez em sua homenagem.

O irmão de Vincent, Theo, com quem trocou cartas durante toda a sua vida, e de quem dependia para sua sobrevivência, trabalhava numa galeria em Paris. Como forma de pagamento, Theo ofereceu ao pintor Paul Gauguin a possibilidade de dividir a casa com Vincent, em Arles, ao sul da França, onde poderia usufrir da boa luminosidade (e dar algum apoio emocional ao já perturbado irmão). É anedótico o fato de que, ao cabo de nove turbulentas semanas, Gauguin já não suportava o gênio indomável do holandês, e mudou-se às pressas, episódio que foi bem representado no filme “Sede de Viver” (Lust for life, 1956, direção de Vincente Minnelli), estrelado por Kirk Douglas e Anthony Quinn, nos respectivos papéis, e que rendeu ao primeiro uma merecida indicação ao Oscar.

Van Gogh tem sido um desafio para os médicos, sobretudo psiquiatras, pelo fato de ter vivido a maior parte de sua vida atormentado por desequilíbrios emocionais, pela crônica incapacidade de estabelecer relacionamentos duradouros, por seu comportamento irascível, sua impulsividade e suas oscilações de humor. O episódio da auto-mutilação, em que corta o lobo da orelha esquerda, é revelador do sofrimento mental que o obrigou a inúmeras internações psiquiátricas e culminou com o tiro no peito, quando tinha apenas 37 anos de idade, embora já estivesse precocemente envelhecido.

Eu mesmo, como professor de psiquiatria, utilizo reproduções de seus quadros em minhas aulas sobre transtornos de humor, nos quais ficam bem caracterizadas as diferentes fases de seu estado de espírito. Mas não há consenso no meio científico – e estamos muito longe disto - sobre qual a verdadeira natureza de sua doença, ou doenças. Entretanto, recentemente foi pubilicado o livro “A doença e a arte de Vincent van Gogh” (Casa Leitura Médica, 2008), que lança luzes (e, não fosse seu conteúdo médico, talvez se pudesse dizer que são luzes amarelas e vibrantes) sobre a vida e obra desse pintor. A autora, Elza Yacubian, é professora do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia e chefe da Unidade de Epilepsia da Universiade Federal de São Paulo. Diga-se de passagem, os neurologistas também puxam a brasa para sua sardinha, vendo nas crises de van Gogh uma forma de epilepsia, embora este não seja o caso...

Elza Yacubian enumera e discute um enorme número de possíveis diagnósticos que ajudariam a explicar não só o gênio de Van Gogh mas também sua obra. Existem indicações de que Vincent possa ter sofrido de epilepsia, sífilis, intoxicação por chumbo, abuso de absinto, porfiria, além de transtornos psiquiátricos, e seus bem documentados sintomas podem sugerir esquizofrenia, transtorno bipolar do humor ou transtorno de personalidade borderline, para ficarmos apenas com alguns. Particularmente, considero muito plausível o diagnóstico de transtorno bipolar, por suas freqüentes oscilações de humor, que foram evoluindo para um estado que denominamos, em psiquiatria, de “episódio misto”, no qual se misturam elementos de depressão e excitação, geralmente com expressões de irritabilidade e impulsividade. Fecha parênteses.

O mais interessante, nesse livro, é que sua autora não se limita a buscar explicações para a personalidade e para o comportamento social de Van Gogh, mas também para suas preferências artísticas. É claro que as alterações de humor refletem-se nas cores e nas pinceladas, mas Yacubian sugere que os raios e círculos luminosos ao redor das lâmpadas ou de outras fontes luminosas possam ser resultantes de seu glaucoma. Uma possível intoxicação digitálica (o digital era uma planta utilizada em vários tratamentos, inclusive de transtornos mentais) pode também explicar sua predileção pelo amarelo, já que promove uma visão amarelo-esverdeado, assim como as manchas circundadas por coronas, como em seu famoso “A noite estrelada”.

Seguramente algum leitor haverá de protestar contra o que escrevi acima, ou considerar tudo isso uma intromissão ilegítima na obra de um grande artista, e uma apreciação inoportuna de sua obra, a partir de um olhar médico. Não lhe tiro alguma razão de pensar assim. Quero afirmar que, no que me diz respeito, nada disso modifica a admiração pela obra desse genial – e genioso – pintor, e nem tampouco a apreciação de sua originalidade, construída arduamente com as tintas do sofrimento, mas também com um incessante trabalho e amor à arte.


Em tempo: clique na imagem de van Gogh para assistir a um vídeo de seus auto-retratos.



07 outubro 2008

miles davis



Fonte: Zsite

Minha motivação foi publicar a excelente foto. Aproveite Miles no Tonight Show em 1964


06 outubro 2008

jazz




A origem da palavra JAZZ, segundo o site Clube do Jazz

Uma coisa é certa: a palavra jazz existia na linguagem falada muito antes do nascimento da música. Quem garante são os pesquisadores Peter Tarnony (Les Cahiers de Jazz) e Henry O. Osgood (So This is Jazz).

Outros autores, como Tecker (The Real Americanism) e Harold Wentworth (American Dialect Dictionary) citam os termos gism e jasm, oferecendo várias interpretações: jasm era utilizado nos estados do sul como sinônimo de energia e entusiasmo; em 1860 este vocábulo indicava uma mulher particularmente apaixonada; em 1886 era utilizado para significar valor, força, talento, etc; e no final do século XIX, como sinônimo de virilidade.

Em 1915, no “Lem's Café” de Chicago, o trombonista de Nova Orleans, Tom Brown, apresentou seu grupo como “Brown Dixieland Jass Band”. Quase ao mesmo tempo, Nick La Rocca, Larry Shields e Eddie Edwards formaram o grupo “Original Dixieland Jass Band”, que em 1917 gravou em Nova York o primeiro disco onde aparecia a palavra jass no nome do grupo.

Em 1916, o “Dictionary of Americanism” de Mathews incluía a referência “gastou-se muito para formar a jass band de Bert Kelly”...O próprio Kelly declarou à revista Variety, em 1957: 'Tive a idéia de empregar esta expressão popular do longínquo Oeste, para indicar nosso modo de tocar em 1914”.

Segundo o relato de Kelly, a palavra jass nasceu no Oeste e dali passou a Chicago e depois a Nova York. É possível que tenha sido realmente isso, pois conforme o “Dictionary of Americanism”, Bert KeIly era líder de uma jass band.


Dica pra quem gosta de jazz


05 outubro 2008

04 outubro 2008

kate lehman



Susmita

Elise

Juline


Óleos sobre tela de Kate Lehman


03 outubro 2008

memórias do subsolo


Fiódor Dostoiéviski, em Memórias do subsolo:


Sobre a racionalidade do comportamento

Oh, dizei-me, quem foi o primeiro a declarar, a proclamar que o homem comete ignonímias por desconhecer os seus reais interesses, e que bastaria instruí-lo, abrir-lhe os olhos para os seus verdadeiros e normais interesses, para que ele imediatamente deixasse de cometer essas ignonímias e se tornasse, no mesmo instante, bondoso e nobre, porque, sendo instruído e compreendendo as suas reais vantagens, veria no bem o seu próprio interesse, e sabe-se que ninguém é capaz de agir conscientemente contra ele e, por conseguinte, por assim dizer, por necessidade, ele passaria a praticar o bem? [...] E se porventura acontecer que a vantagem humana, alguma vez, não apenas pode, mas deve até consistir justamente em que, em certos casos, desejamos para nós mesmos o prejuízo e não a vantagem?

Razão verus vontade

Pensai no seguinte: a razão, meus senhores, é coisa boa, não há dúvida, mas a razão é só razão e satisfaz apenas a capacidade racional do homem, enquanto o ato de querer constitui a manifestação de toda a vida, isto é, de toda a vida humana, com razão e com todo o coçar-se. [...] Que sabe a razão? Somente aquilo que teve tempo de conhecer (algo, provavelmente, nunca chegará a saber; embora isto não constitua consolo, por que expressá-lo?), enquanto a natureza humana age em sua totalidade, com tudo o que nela existe de consciente e inconsciente, e, embora minta, continua vivendo.




Da resenha de Bruna Callegari:

Memórias do subsolo é um livro perigoso. Aviso, antes de tudo, porque só se percebe quando já se está completamente envolvido por ele. É nesse momento que a leitura se torna prazer, porém um prazer amaldiçoado, absolutamente agressivo, quase masoquista e vicioso, e por isso perigoso.

Publicado em 1864 na revista literária Época, fundada por Dostoiévski e seu irmão Mikhail, o romance nos traz um homem desencantado, funcionário da baixa burocracia russa, que mora com o empregado Apólon num modesto apartamento no subsolo de um edifício. Angustiado e pessimista, esse homem sem nome nos revela, por sua própria voz, um absoluto desprezo pelo mundo a sua volta e, ao mesmo tempo em que escolhe a solidão, parece, em certos momentos, amargurar-se ainda mais com ela.

Ora, o que cargas d’água esse tal homem do subterrâneo está querendo me dizer? Que droga de maluco ele é? O leitor se pergunta a todo o momento, mas, na realidade, não se pode entender completamente esse homem. A única certeza que ele nos dá é a sua profunda aversão pelo racionalismo e pela mentalidade positivista, marcantes do século em que vive: “(...) dois e dois não são mais a vida, meus senhores, mas o começo da morte. Pelo menos, o homem sempre temeu de certo modo este dois e dois são quatro, e eu o temo até agora.”

Esse homem do subsolo, portanto, é o retrato impiedoso da constituição de nossa sociedade moderna, fundamentada na razão iluminista, e de suas contradições. Ele é o embrião de toda a produção chamada madura de Dostoiévski: Crime e castigo, O idiota, Os demônios e Irmãos Karamazov, em que a profunda complexidade e ambigüidade do humano moderno, já presentes em nossa personagem, são levada ao extremo. A relação agônica entre desejo e culpa e a linha frágil que separa a demência da razão, marcas do subsolo que nos fazem como baratas tontas durante a leitura, são ainda mais intensamente exploradas por Dostoiévski nessas obras posteriores, em que inevitavelmente se vê o espectro do nosso homem.


02 outubro 2008

indignation



Nos últimos dois livros de Philip Roth - o maior escritor americano vivo - o tema central é claramente o terror do envelhecimento. Em Homem comum, o protagonista e narrador inicia seu relato em seu próprio funeral (teria também Roth lido Memórias Póstumas de Bras Cubas?), para depois relatar o périplo de doenças e incapacitações crescentes (além da solidão) pelas quais passou. Em Fantasma sai de cena, publicado no ano passado, um escritor recluso há anos nas montanhas da Nova Inglaterra (à moda de Salinger), retorna à sua NY para tratamento da incontinência urinária, e revive o desejo sexual que já não pode realizar, a perda da memória, e os fantasmas do seu passado.





Recém lançado nesse mês de setembro, nos EUA, Indignation rompe com essa reflexão sobre velhice e morte, e retorna a temas mais propriamente políticos. A narrativa se inicia com as memórias de Marcus Messner, recuando ao início da Guerra da Coréia, em 1950. Então com 19 anos de idade, Marcus é filho de um açougueiro judeu em Newark e, até então, vinha sendo preparado para assumir o negócio do pai. Fugindo a ser convocado a lutar no novo conflito, ao destino dos primos mortos na II Guerra Mundial, e às expectativas de uma vida medíocre, Marcus vai estudar no Winesburg College, em Ohio. Daí pra frente, que não se espere um happy ending de Philip Roth...
Em sua resenha publicada no NYRB deste mês, Charles Simic afirma:

More and more, in Roth's fiction, history and the individual are interdependent. He writes about the experience and the accompanying moral conflicts of those left at the mercy of events and ideas over which they have no power, the kind of people for whom official history has no place while ideology, too, passes over them in silence. It's no exaggeration to say that Roth has been appalled by what has happened politically to his country since the days of Nixon and Vietnam. [...] His powerful new novel, Indignation, seethes with outrage. It begins with a conflict between a father and son in a setting and circumstances long familiar from his other novels going back to Portnoy's Complaint, but then turns into something unexpected: a deft, gripping, and deeply moving narrative about the short life of a decent, hardworking, and obedient boy who pays with his life for a brief episode of disobedience that leaves him unprotected and alone to face forces beyond his control in a world in which old men play with the lives of the young as if they were toy soldiers. Roth's novels abound in comic moments, and so does Indignation. His compassion for his characters doesn't prevent him from noting their foolishness.

I can't hardly wait do read it!