Philip Roth, com sua habitual perspicácia, em O avesso da vida, sobre a dinâmica das relações conjugais. Aqui ele mostra sua afinidade com a psicanálise das relações objetais, e com o que ela tem de comum com a teoria sistêmica.
O que foi que houve? Nada de especialmente original. Tivemos uma briga, a nossa primeira, nada nem mais nem menos aniquilador que isso. O que tinha sobrecarregado a retórica e inflamado o ressentimento era, claro, o papel dela como filha de tal mãe atritando-se ao meu de filho de tal pai - nossa primeira briga nem sequer tinha sido nossa. Mas acontece que a batalha que primeiro abala a maioria dos casamentos é normalmente bem esta - travada por substitutos dos verdadeiros antagonistas, cujo conflito nunca está enraizado no aqui e agora, e às vezes vem de tão longe que tudo que sobra dos valores dos avós são as palavras rancorosas dos recém-casados. Virginais, até podem ser, mas o verme do sonho sempre é o passado, aquele obstáculo a todo renovo.
E sobre a identidade, encontrando-se com William James e com Kenneth Gergen:
Mais Roth...Toda a visão do ocidente sobre saúde mental se volta precisamente à direção oposta: o desejável é a congruência ente a autoconsciência e o ser natural. Mas existem aqueles cuja sanidade flui da separação consciente destas duas coisas. Se é que existe um ser natural, um eu irredutível, é bem pequeno, acho, e pode ser a raiz de toda personificação - o ser natural talvez seja a própria habilidade, a capacidade inata de personificar. Estou falanddo sobre reconhecer-se que se é nitidamente um ator, em vez dee se engolir inteiro o disfarce de naturalidade e fingir que não se trata de uma representação e sim de você. [...] Tudo é personificação - na ausência de um eu, personificam-se eus, e depois de algum tempo personifica-se melhor o eu que melhor se vira. [...] O que tenho, isso sim, é uma variedade de personificações que sei faze, enão só de mim mesmo - uma trupe de artistas que possuo internalizada, uma companhia permanente a quem posso convocar quando é preciso um eu, um estoque em expansão de peças e papéis que formam meu repertório.