30 janeiro 2009

primatemaia disseminada


Os humanos na Terra comportam-se, de alguma maneira, como um organismo patogênico ou como células de um tumor ou neoplasma. Crescemos em número e em transtornos para Gaia a ponto de nossa presença ser perceptivelmente inquietante (...) a espécie humana é agora tão numerosa que constitui uma séria moléstia planetária. Gaia está sofrendo de
Primatemaia Disseminada.

James Lovelock, citado por John Gray em Cachorros de Palha, sobre os efeitos do Homo rapiens sobre a Terra.


os crentes


Os crentes e sua necessidade de crença.

A crença é sempre desejada com a máxima avidez, e mais urgentemente necessária onde falta vontade: pois é a vontade, como emoção do mando, o sinal distintivo de autodomínio e força. [...] Onde um homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna "crente"; inversamente, seria pensável um prazer e força de autodeterminação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre par excellence.

Nietzsche, em A gaia ciência, título que significa algo como "o alegre saber" .


29 janeiro 2009

antologia - humberto werneck


O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 2009

‘Drummond deu voz ao que não consigo dizer’

"Nascido em Belo Horizonte, Humberto Werneck (1945) jornalista há mais de 40 anos, tendo passado por alguns dos principais órgãos da grande imprensa brasileira, como Jornal da Tarde, Veja, Jornal do Brasil, Isto É, Jornal da República e Playboy. Tornou-se jornalista em maio de 1968, levado pelo contista Murilo Rubião para o Suplemento Literário do Minas Gerais, diário oficial do governo mineiro.

É autor, entre outros, de O Desatino da Rapaziada, retrato da geração de escritores mineiros, como Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, que se renderam ao jornalismo, de O Santo Sujo, biografia de Jayme Ovalle, e de Pequenos Fantasmas, livro de contos.

Werneck organizou Minérios Domados, seleção da poesia de Hélio Pellegrino, e Boa Companhia, reunião de trabalhos de 42 cronistas. Escreveu a reportagem biográfica de Chico Buarque para Tantas Palavras (2006), sobre a obra do compositor. Está trabalhando em dois projetos - um livro infanto-juvenil sobre Belo Horizonte e O Pai-dos-Burros, Dicionário de Lugares-Comuns e Frases Feitas.

Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?

Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, sempre me reserva alguma surpresa -- e também humilhação: como pude passar tantas vezes por um verso sem me dar conta de toda a riqueza que há nele?

Dê exemplo de um livro muito bom injustiçado, pelo público ou pela crítica.

João Ternura, o romance de Aníbal Machado, não recebeu ainda a atenção que merece. Não vale botar toda a culpa no título enjoativo.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.

O Velho e O Mar, de Ernest Hemingway. Aquele sujeito discursando para aquele peixe... humm...

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.

Três Mulheres de Três PPPês, de Paulo Emílio Salles Gomes. Puro preconceito: como se um ótimo ensaísta não fosse capaz de produzir ótima ficção.

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.

A revelação tardia de Diadorim aos olhos de Riobaldo no Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Dona Severina vendo dormir Inácio no conto Uns Braços, de Machado de Assis. E tudo aquilo que (não) acontece em Frederico Paciência, de Mário de Andrade.

Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?

Capitu, de Machado. Lolita, de Nabokov. Emma Bovary, de Flaubert. Jay Gatsby, de Fitzgerald. E um vasto etc.

Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?

O Estrangeiro, de Albert Camus.

E que livro mais o fez pensar?

As Palavras, de Sartre.

De qual autor você leu tudo, ou quase tudo?

Carlos Drummond de Andrade, por dar voz a muito do que não consigo dizer.



Existe algum autor como o qual você jamais perderia seu tempo?

Vários. Até por isso, não perderia tempo em citá-los.

Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.

O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, lido e relido desde os 12 anos de idade. Continuo achando que é um grande romance.

Você considera a literatura policial um gênero menor?

Não pode ser considerado menor um gênero a que pertença O Falcão Maltês, de Dashiel Hammett.

Os livros de autoajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica?

Sou contra a automedicação. Drogas, só com receita médica.

Um livro meio chato, mas bom.

Se é meio chato, é no máximo meio bom.

Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu.

A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Em diversas investidas, nunca passei do meio da encosta. É dessas leituras que requerem uma hepatite.

Um livro difícil, mas indispensável.

O Som e a Fúria, de Faulkner.

Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.

A Bíblia. Não é que se perca: fica menos interessante d.C.

Um livro que começa mal e se encontra.

Os Sertões, de Euclides da Cunha. É chão demais até chegar à luta...

Um livro ruim, por ser pretensioso.

Qualquer um que pretenda ser ‘um vasto painel de época’.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?

Vários. Proponho uma Teoria da Vênus de Milo, segundo a qual muita obra melhora se bem aparada. Conheci um editor americano que queria meter a faca no Drácula, cortando tudo o que não seja canino na carótida. Achava que Bram Stockler, com sua fastidiosa descrição da Transilvânia, era uma espécie de Euclides da Cunha de A Terra. Um Euclides do sobrenatural, digamos.

De que livro você mudaria o final?

Livro cujo final precise ser mudado não vale esse esforço.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.

Devem ser boas as traduções dos livros de Paulo Coelho. Não têm erros de português.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro publicado nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?

Vista do Rio, romance de Rodrigo Lacerda.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando à leitura?

O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, se Antonio Candido já não tivesse escrito antes, e com incomparável competência.

Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?

Sinto falta de O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell. E nenhuma de José de Alencar.

Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?

Carlos Sussekind, por exemplo, ao ler um artigo de Hélio Pellegrino saudando o lançamento de Armadilha para Lamartine, nos anos 70.

Cite um vício literário que você considera abominável.

O empenho em enfeitar o texto - aquilo que João Cabral chama de perfumar a flor.

Que virtude mais preza na boa literatura?

O poder que têm alguns livros de se desgrudar da literatura e se incorporar à experiência do leitor, ajudando-o a viver."


Foto de Nemo Nox


28 janeiro 2009

catástrofe & solidariedade



(Sugiro associar a leitura deste post)


As grandes catástrofes climáticas que atingem de tempos em tempos Santa Catarina, como ocorreu recentemente, são seguidas de extensas reações de solidariedade em todo o país. Tal mobilização coletiva coloca em questão um dos pressupostos mais difundidos a respeito da sociedade contemporânea, já abordado inclusive em artigos anteriores: o de que, em nossos dias, o individualismo (leia-se: egoísmo) só faz crescer, e, em contrapartida, os laços sociais se fragmentam.

Felizmente, nada é tão linear ou tão simples quando se trata do ser humano. Assim como forças homogeneizantes da globalização encontram resistências no renascimento das culturas locais (movimentos separatistas e de revalorização étnica, fundamentalismos religiosos, tribalismos e neotribalismos), da mesma forma, há resistências às forças desagregadoras do tecido social.

Existem alguns dilemas morais contemporâneos, que estabelecem uma relação dialética entre egoísmo e altruísmo, individualismo e solidariedade, honestidade e desonestidade. Há, por um lado, fortes tendências ao incremento da competitividade e do narcisismo cultural, que impulsionam as pessoas a buscarem o interesse próprio a todo custo, numa espécie de “salve-se quem puder” ou “cada um por si e Deus por todos”. Mas, como tudo o mais na sociedade, há forças que agem em sentido contrário a estas tendências. Não fosse assim e não veríamos ações de defesa à ecologia mobilizando pessoas ao redor do globo, e que são fundamentalmente de natureza solidária e altruística; o florescimento de uma cultura do voluntariado, que leva pessoas desinteressadas a se engajarem em atividades de apoio a quem mais necessita; uma crescente consciência de cidadania acompanhada de maior responsabilidade pela participação nos espaços de decisão coletiva; e maior respeito às diversidades inerentes à condição humana.



Algumas teorias da “psicologia evolucionista”, ou darwinista, que entende o comportamento humano a partir daquilo que foi mais adaptativo para a sobrevivência da espécie, nos dão pistas sobre o que acontece. A propósito, um dos motivos para se gostar dessa perspectiva é que ela coloca a solidariedade social no centro da “natureza humana”. Natureza que, por sua vez, nos torna culturais e, nesta condição, nos faz sermos fundamentalmente cooperativos. Ou seja, se tivesse predominado na evolução as forças egoístas sobre aquelas da solidariedade e da cooperação, a espécie humana não teria sobrevivido. Assim, amor, piedade, generosidade, remorso, afeição amistosa e confiança duradoura, por exemplo, são partes de nossa herança genética (tanto ou mais quanto os sentimentos hostis).

Além disso, os estudos de psicologia têm revelado o que sabemos intuitivamente: que ajudar o próximo pode fazer tão ou mais bem a quem o faz do que a quem recebe. Isto talvez seja uma expressão da herança evolutiva mencionada acima. Apesar de tudo, há sempre os saudosistas que insistem em achar que “antigamente era tudo melhor” – seja lá que “antigamente” é este. As grandes catástrofes que vivemos de perto ensejam oportunidade para que esta cômoda crença seja confrontada.



Foi a civilização ocidental que inventou os direitos humanos e pregou – a partir do Iluminismo – a necessidade de autonomia individual e de liberdade, a capacidade de pensar por si mesmo recorrendo à razão, e a aspiração ao progresso. Não nos esqueçamos, entretanto, que apesar da crença na “racionalidade moderna”, a humanidade deu abrigo, até muito recentemente, a comportamentos auto-destrutivos e bastante primitivos: o racismo, a escravidão, a desigualdade entre os sexos, a discriminação das minorias, o terrorismo de Estado, a tortura, o genocídio, o totalitarismo, os campos de concentração. Para ficarmos apenas com o primeiro desses crimes, é importante que nos demos conta de que há pouco mais de um século ainda convivíamos, no Brasil, com a vergonha da escravidão como uma instituição legalmente, e, para muitos, moralmente aceita.

Sim, estamos – a sociedade como um todo – fazendo grandes progressos, apesar das guerras, dos crimes ambientais, da violência urbana, das iniqüidades sociais que persistem. Nas sociedades desenvolvidas, pelo menos, já não se admite que pais castiguem fisicamente seus filhos, que maridos agridam suas esposas, ou que pessoas sejam discriminadas pela cor de sua pele. Estes fatos ainda ocorrem, mas já não são socialmente sancionados pela maioria. Não é pouca coisa.

E, tão importante quanto isso, os eventos recentes mostram que a solidariedade permanece sendo um valor básico da sociedade, cultivado por grandes parcelas da população. O ser humano, por enquanto, parece ainda ter salvação!


ILUSTRAÇOES
A Mulher que Botou O Diabo na Garrafa
José Francisco Borges
Os Retirantes
José Miguel da Silva
Disponíveis em Indigo Arts



25 janeiro 2009

ó fortuna



Ó Fortuna,
és como a Lua
mutável,
sempre aumentas
e diminuis;
a detestável vida
ora escurece
e ora clareia
por brincadeira a mente;
miséria,
poder,
ela os funde como gelo.

Primeira estrofe de
Fortuna, Imperatriz do Mundo.
Carmina Burana
de Carl Orff


23 janeiro 2009

ter ou não ser


O termo “narcisismo” tem ultrapassado amplamente as fronteiras do discurso técnico, psicológico ou psicanalítico. Todos sabem de sua origem no mito de Narciso, a figura mitológica que, de tão fascinado por sua própria imagem refletida na água, morre de paixão e inanição. Daí a entender as sutilezas do termo, vai uma distância, até porque, mesmo no campo profissional, ele remete a uma grande variedade de significados, a depender do contexto e das escolas.

O termo foi proposto por Freud para designar uma fase do desenvolvimento do bebê em que o amor recai sobre si-mesmo, como no mito grego. Assim, um adulto narcisista seria necessariamente uma pessoa imatura, que não cresceu do ponto de vista emocional o suficiente para desenvolver a capacidade de amar outra pessoa. Entretanto, alguns de seus seguidores ampliaram e modificaram essa noção. Passou-se a pensar o narcisismo também em termos de uma dimensão normal do ser humano. O amor próprio como uma necessidade e uma condição primordial para a felicidade. É a partir daí que se fala em “riscos ao narcisismo”, para se referir aos ataques à segurança ontológica, que geram a depreciação da auto-estima e a insatisfação com a vida.

Nos tempos de Freud, o grande desafio das pessoas era lidar com a repressão, com os conflitos internos entre os impulsos, os desejos e as fantasias, e aquilo que se podia sentir, pensar ou fazer (principalmente quando o assunto era sexo). Estamos falando de uma sociedade do período vitoriano, extremamente moralista e castradora. Hoje, quando podemos quase tudo, a história é diferente. O nosso maior desafio está em conciliar as nossas expectativas de reconhecimento (geralmente vinculadas à aquisição de bens e de status) ao que conseguimos efetivamente ter.

Numa sociedade de consumo de massas, na qual cada vez mais a auto-estima está alicerçada nos símbolos externos de status e de poder, a frustração das expectativas torna-se uma fonte permanente de insatisfação. Valores morais e abstratos, como a generosidade, a simpatia, a amizade e o conhecimento, deixam de ser fontes de reconhecimento social e de auto-valorização.

É esse o sentido que o termo tem no trabalho de importante pensador da cultura de massas em nosso tempo, Cristopher Lasch, autor do livro O mínimo eu. Esse autor usa a expressão “retração narcísica” para caracterizar a busca da sobrevivência psíquica a partir de uma posição fundamentalmente individualista. O perfil do ser narcisista desenhado por Lasch é aquele de um indivíduo cético e cínico, oprimido pela cultura do individualismo competitivo e guiado por uma lógica de auto-preservação. Ganancioso, no sentido de que seus desejos não têm limites, exige imediata gratificação e vive em estado de um desejo perpetuamente insatisfeito.

É esse narcisismo patológico que torna as pessoas mais dependentes tanto da aquisição de bens, como as roupas de grife, os carros portentosos e os celulares de última geração. É esse narcismo que não se satisfaz com o que se tem, o que é vivenciado na forma de inveja e ingratidão, e que leva à busca sempre frustrada de um ideal de beleza e juventude eternas. E é também o que leva as pessoas a buscarem a todo custo a exposição na mídia: nas colunas sociais, nos reality shows, e daí por diante.

Entre as manifestações mais dramáticas e graves do narcismo cultural – não aquele normal e saudável que todos devemos nutrir, a partir da construção de valores interiores – estão as depressões e os chamados “transtornos alimentares”, quadros cada vez mais freqüentes nos consultórios de psicólogos e psiquiatras. Entre estes estão a bulimia e a anorexia nervosa. Em documentário de tevê, assisti a adolescentes de Beverly Hills, na Califórnia, relatarem que os banheiros da High School têm cheiro de vômito, tal a quantidade de garotas portadoras de bulimia.

Na sociedade de consumo, se o indivíduo não tem o tênis de marca, o último modelo de carro, e os seus quinze minutos de fama, então “não pode” ser feliz, porque a felicidade depende mais desses símbolos culturais de poder do que dos valores internos que possam dar um sentido sólido de amor-próprio.

Será que ainda veremos a cura dessa doença?


22 janeiro 2009

from washington to obama



Clique na famosa bandeira concebida por Jasper Johns, em 1955, e que se tornou um dos ícones da pop art. O link leva a uma montagem com os retratos de todos os presidentes dos EUA. Para completar, a trilha é uma remixagem de Rapsody in Blue, de Gershwuin, com várias músicas folclóricas e marchas marciais norte-americanas. Faz jus ao país!