O texto abaixo foi escrito para servir de material de apoio às aulas sobre psicoterapia que ministro no Curso de Medicina da UNISUL. Para quem pretende fazer, ou já está fazendo um tratamento psicoterápico, ele pode servir como uma introdução ao tema, e ajudar a se localizar nesse complexo mundo de teorias e técnicas.
Este post é uma reedição. Ainda sobre este tema, veja também o post sobre o vínculo de reconhecimento na psicoterapia
introdução
Então, terapia é o que dizemos que ela é, ou, dito de outro modo, os nomes com os quais operamos, os princípios explicativos que usamos e a realidade que criamos com uns e outros. (Paul Watzlawick)
O termo “psicoterapia” – etimologicamente, o tratamento da mente – tem dado margem a muita confusão. Não é fácil localizar o seu surgimento e sua clara distinção de muitos procedimentos que fogem ao campo das práticas ditas científicas. Podemos reconhecer a presença de efeitos psicoterápicos nas práticas xamânicas das sociedades primitivas, nas práticas religiosas em geral, assim como em inúmeras outras formas de sugestão mental e nas atuais terapias ditas “alternativas”. Somente a partir do século XIX a psicoterapia começou a ser estudada sistemática e cientificamente, e neste sentido a obra de Freud deve ser considerada como um marco divisório.
Uma definição aceitável de psicoterapia é oferecida por Luis Carlos Osorio (2004), que propõe a utilização do termo – no sentido restrito da palavra – para designar todo o “processo sistemático, com fundamentação no conhecimento dos psicodinamismos da mente, e que, através da instrumentação de uma relação interpessoal (terapeuta/paciente), propõe-se a determinar mudanças no funcionamento mental do indivíduo” (p. 4).
São praticamente infinitas as formas de psicoterapias. As várias técnicas e estratégias terapêuticas dependem dos modelos teóricos abraçados por cada um e dos objetivos terapêuticos de cada caso em particular. Depende delas qual o material a ser prioritariamente trabalhado (os sintomas ou as motivações inconscientes, por exemplo), quais as atitudes do terapeuta são mais apropriadas (mais ativo ou mais passivo), quais intervenções (se mais sugestivas ou mais interpretativas), e a adoção de determinado enquadramento (freqüência dos encontros, disposição do espaço, etc.).
Gelder, Mayou e Geddes (2002) relacionam seis aspectos que, explícita ou implicitamente, estão presentes em praticamente todas as formas de psicoterapia:
1. Boa aliança de trabalho: relação de confiança baseada nos aspectos maduros e adaptativos do paciente (e do terapeuta);
2. Escuta empática: capacidade de empatia, ou seja, de colocar-se no lugar do outro, sem se confundir com este; e de continência, que significa ser capaz de tolerar os sentimentos e comportamentos do paciente;
3. Auxílio na expressão das emoções: ajudar a identificar, nomear e expressar sentimentos que estão na fonte do sofrimento psíquico;
4. Função pedagógica, como esclarecimentos, sugestões e interpretações: refere-se ao auto-conhecimento e a todo o processo de aprendizado, sobre si mesmo e sobre a natureza do sofrimento, sendo mais explícita nas modalidades de apoio e cognitivo-comportamentais;
5. Apoio e encorajamento: auxílio ao paciente na tarefa de exploração dos próprios sentimentos, fantasias e impulsos, e no processo de mudanças pessoais e relacionais;
6. Reforço às capacidades adaptativas: valorizar os mecanismos adaptativos, maduros, e as estratégias de enfrentamento às limitações pessoais e aos sintomas.
psicanálise e psicoterapia psicodinâmica
A psicanálise é um conjunto de teorias sobre o funcionamento mental e a origem dos transtornos psíquicos, e ao mesmo tempo um método terapêutico. Ela foi fundada por Freud no início do século passado. A psicoterapia psicodinâmica, também denominada de orientação psicanalítica, é derivada do corpo teórico da psicanálise (por exemplo, a transferência e os mecanismos de defesa), embora apresente mudanças na técnica terapêutica. Ambas têm por objetivo aumentar o conhecimento (insight) de conflitos, afetos, fantasias e impulsos – sobretudo de natureza inconscientes – que estejam na origem de sintomas psíquicos e de dificuldades adaptativas. A psicanálise está fortemente baseada no princípio de induzir e interpretar a transferência (o conjunto de sentimentos infantis do paciente em relação ao analista). A psicoterapia psicodinâmica, vale-se dos mesmos pressupostos teóricos, mas não tem por objetivo incentivar a transferência, embora freqüentemente trabalhe com este conceito.
A técnica da psicanálise baseia-se na utilização do divã e no desenvolvimento da transferência; na comunicação de todos os pensamentos (livre associação) e no relato de sonhos; na manutenção de um enquadramento, também chamado de setting (condições nas quais ocorre o tratamento: horas fixas, número de sessões, constância do contexto terapêutico); e na interpretação e elaboração dos conteúdos mentais. Ela tem sua indicação principal para os pacientes com condições de tolerar o tipo de relacionamento que se estabelece (já que o terapeuta se coloca numa posição de aparente passividade), e de lidar com abstrações e simbolizações. Além disso, o paciente precisa ter capacidade de insight, ou seja, de olhar para dentro de si mesmo, de refletir sobre as próprias motivações. Pacientes com transtornos mentais graves, como os psicóticos e os portadores de déficits cognitivos, não se beneficiam deste tipo de ajuda, exceto quando utilizadas técnicas adaptadas (assim como no caso das crianças, com as quais se utilizam técnicas lúdicas). A psicanálise é uma boa indicação para as pessoas que buscam um maior conhecimento de si mesmas, a resolução de conflitos ou falhas no próprio desenvolvimento, e a modificação de aspectos estruturais da personalidade.
Na psicoterapia psicodinâmica a relação se transcorre face-a-face e, de forma geral, o terapeuta participa mais ativamente. O terapeuta pode lançar mão de amplo repertório de intervenções para promover conversações que conduzam a novos insights e de promover mudanças. Hector Fiorini (1978) relaciona uma série de intervenções que fazem parte do processo terapêutico, que aqui menciono de forma modificada e reduzida: (a) interrogar o paciente, pedir-lhe dados precisos, ampliações e aclarações do relato; explorar em detalhe suas respostas; (b) proporcionar informação, o que inclui a orientação inicial ao paciente sobre os procedimentos que constituem a psicoterapia; (c) confirmar ou retificar os conceitos do paciente sobre sua situação ou sobre a realidade externa; (d) clarificar, reformular o relato do paciente, de modo a que certos conteúdos e relações do mesmo adquiram maior relevo; (e) recapitular, resumir pontos essenciais surgidos no processo exploratório de cada sessão e do conjunto do tratamento; (f) assinalar relações entre dados, os temas, as suas seqüências, e capacidades manifestas e latentes do paciente (ou seja, conscientes e inconscientes); (g) interpretar o significado dos comportamentos, motivações e finalidades latentes, em particular os conflituosos; (h) sugerir atitudes determinadas, mudanças a título de experiência, ou novas medidas terapêuticas, quando se mostrar necessário.
Mas, atenção! Embora o terapeuta possa eventualmente “sugerir” algo (p.ex., perguntando “o que poderia acontecer se você...”) isto não significa que na terapia psicodinâmica, e muito menos na psicanálise, o terapeuta ensine ativamente novas formas de comportamento ou de pensamento. Portanto, a função pedagógica, principalmente aquela conduzida ativamente pelo terapeuta (ao aconselhar, instruir ou dar tarefas), neste caso é menos importante do que outros aspectos da atividade terapêutica.
terapia cognitivo-comportamental
A TCC resulta da combinação de técnicas comportamentais e de técnicas provenientes da terapia cognitiva de Aaron Beck, cujo pressuposto central é o de que os sintomas resultam de formas disfuncionais e mal adaptativas de pensamento. Como o próprio nome deixa claro, esse conjunto de técnicas baseia-se na modificação de aspectos do pensamento (cognição) e do comportamento do indivíduo e, conseqüentemente, também dos sentimentos em relação aos outros e a si próprio. A TCC tem sido reconhecida como eficaz para o controle de sintomas de vários transtornos mentais, entre os quais os obsessivo-compulsivos, fóbicos, de pânico, depressivos, alimentares e, inclusive, de personalidade. Trata-se de um modelo de interação psicoeducativa, no qual o terapeuta ocupa uma função muito mais diretiva e pedagógica que nas terapias baseadas no conhecimento psicanalítico.
De forma geral, a terapia cognitivo-comportamental segue os seguintes pressupostos: (1) análise comportamental: registro dos pensamentos e comportamentos em associação com eventos desencadeantes, e que nada ou pouco tem a ver com a “análise” feita pelo psicanalista; (2) aproximação gradual: organização de tarefas na forma de etapas a serem cumpridas; e (3) formato experimental: o incentivo a experimentar mudanças.
Do conjunto de técnicas utilizadas na terapia cognitivo-comportamental, algumas derivam mais diretamente do modelo de terapia cognitiva, enquanto outras são mais propriamente comportamentais. As técnicas cognitivas seguem quatro momentos, ou estágios, que são os seguintes: (a) o pensamento mal-adaptativo é identificado; (b) o pensamento é contestado; (c) formas alternativas de pensar são trabalhadas; e (d) são experimentadas novas formas de enfrentar situações.
As técnicas comportamentais incluem um conjunto de princípios e técnicas complementares, utilizadas em associação com as anteriores, e com maior ou menor ênfase dependendo do problema a ser tratado: (a) treinamento de relaxamento, para evitar a reação ansiosa; (b) exposição, principalmente nos transtornos fóbicos, com o que se busca a dessensibilização; (c) prevenção de resposta, principalmente nos rituais obsessivos, busca a supressão do ritual através do enfrentamento; (d) parada do pensamento, que a utilização de um estímulo que ajude a interromper o pensamento obsessivo; (e) treinamento de assertividade, utilizado especialmente para superar fobias sociais, com o objetivo de aumentar a confiança do paciente; (f) autocontrole, que inclui o uso de automonitorização e o auto-reforço; (g) manejo de contingências, ou seja, identificar e controlar comportamentos indesejáveis (por exemplo, explosões de raiva) e recompensar mudanças positivas; e (h) terapia de aversão, que é baseada no reforço negativo.
terapia familiar sistêmica
Quando se fala em terapia familiar sistêmica, ou simplesmente terapia sistêmica, se está referindo a uma concepção teórica que teve origem em várias áreas alheias à medicina, que incluem a Teoria Geral dos Sistemas, a Cibernética, e a Teoria da Comunicação Humana, que estudaram o comportamento de sistemas físicos, humanos e sociais. Entre as características gerais dos sistemas, que são aplicadas à família neste modelo, estão: (a) o todo é maior que a soma das partes; (b) cada parte só pode ser entendida no contexto do todo; (c) uma mudança numa parte afeta todas as partes; (d) o todo se regula através de circuitos de retro-alimentação; (e) os sistemas se mantém estáveis através do estabelecimento de padrões de funcionamento.
O sistema familiar pode ser dividido em subsistemas e faz parte de outros sistemas sociais maiores. Os sintomas são entendidos como expressões de problemas que afetam a todo o sistema, quer seja no campo da comunicação (por exemplo, um tema que é tabu na família), da hierarquia e das fronteiras (por exemplo, crianças que mandam mais que os pais, e que invadem espaços que deveriam ser somente destes), ou das transições nos ciclos de vida da família (por exemplo, as crises da adolescência e da aposentadoria).
As terapias sistêmicas estão indicadas numa gama de situações em que os problemas são mais “relacionais” do que propriamente “psíquicos”, especialmente em situações de conflitos conjugais, geracionais, e resultantes de mudanças no ciclo de vida da família (nascimento, adolescência, separação, morte, doença grave, etc.). A compreensão das dinâmicas familiares é importante também para no estudo da relação do médico com a família do paciente (Soar Filho, 2003).
modalidades grupais
Há várias técnicas terapêuticas desenvolvidas para o atendimento de várias pessoas ao mesmo tempo. A orientação dos terapeutas pode variar, mas em alguns casos a técnica é mais ou menos específica para o atendimento de determinados grupos. Por exemplo, as psicoterapias de grupo podem ser realizadas segundo uma orientação psicanalítica (psicoterapia analítica de grupo), segundo as técnicas psicodramática, transpessoal, gestáltica, TCC, ou outras. Estes grupos terapêuticos são geralmente heterogêneos, ou seja, formados por pessoas de diferentes origens e com diversos problemas. Há grupos que são homogêneos, formados por pessoas com problemas semelhantes, como os dependentes químicos. Os grupos de TCC são geralmente deste tipo, e podem ser dirigidos, p.ex., a pacientes obsessivo-compulsivos ou com transtornos alimentares.
Por fim, existem as terapias que atendem a pessoas do mesmo grupo familiar, e que podem ser conjugais ou familiares. Estas também podem ser realizadas segundo várias orientações, inclusive a psicodinâmica. Entretanto, o modelo que foi desenvolvido especificamente para o atendimento de casais e famílias é o da terapia sistêmica.
referências bibliográficas
Fiorini, H.J. (1978) Teoria e técnica de psicoterapias. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Gelder, M.; Mayou, R. & Geddes, J. (2002) Psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Osorio, L.C. (1996) O futuro da psicanálise e outros ensaios correlatos. Porto Alegre: Mercado Aberto.
Soar Filho, E.J. (2003). O médico e a família do paciente. Em: A. Cataldo Neto; G.J.C. Gauer & N.R. Furtado (org.). Psiquiatria para estudantes de Medicina. Porto Alegre: EDIPUCRS.
sugestões de leitura
Luepnitz, Deborah A. (2006) Os porcos-espinhos de Schopenhauer. Rio de Janeiro: José Olympio.
Yalom, Irvin D. (2006) Os desafios da terapia. Rio de Janeiro: Ediouro.
Yalom, Irvin D. (2007) O carrasco do amor . Rio de Janeiro: Ediouro.