13 fevereiro 2007

Os vínculos de reconhecimento (IV)


Continuação da série de artigos que venho publicando no Floripa Total (link ao lado) e neste blog, sobre a importância do reconhecimento na construção da identidade. Para acessar a partes anteriores clique aqui.

Nas três partes anteriores deste artigo abordei respectivamente: o surgimento da idéia de “indivíduo” na filosofia e na psicologia; as contribuições da psicanálise, especialmente sobre a importância dos vínculos mais precoces do bebê com sua mãe (ou cuidadores primários); e os processos de identificação grupal. Esta quarta e última parte é dedicada ao vínculo de reconhecimento na psicoterapia.
Para que serve a psicoterapia, afinal? Esta pergunta foi realizada a um grupo de pacientes, como parte da pesquisa realizada para minha tese de doutoramento. Agrupei as respostas em sete categorias que menciono a seguir: (1) obter auto-conhecimento, (2) fazer mudanças, (3) ter um oportunidade de reflexão, (4) adequar-se melhor à realidade, (5) aceitar-se melhor, (6) ter apoio para , (7) obter reconhecimento. Este último itemsintetiza, em boa medida, todos os demais, pois, como vimos anteriormente, o reconhecimento do outro é fundamental para cada pessoa possa se constituir com um indivíduo com suficiente grau de independência e autonomia.
Um de meus entrevistados resumiu o objetivo da terapia da seguinte maneira: “Terapia pra mim é aceitar-se!”. Ele não aceitava que pudesse “fraquejar”, ou seja, que tive limitações ou necessidade de ajuda. A partir da terapia, disse ele, “comecei a perceber que até o último dia da minha vida eu vou ter que estar melhorando. Aprendo cada dia a lidar com as mazelas da vida”. Esse movimento, no sentido da auto-aceitação, que só ocorre a partir do auto-conhecimento, tem a sua matriz na aceitação inicial do terapeuta; no reconhecimento do terapeuta.
Reconhecer é olhar o outro com respeito e aceitação para com suas limitações e suas capacidades; é olhar o outro em sua diversidade tanto quanto na sua universalidade, o que significa dizer, em sua dignidade humana. Somente se o terapeuta é capaz de lidar com esse binômio, com a dialética intrínseca da nossa condição humana, de sermos ao mesmo tempo tão únicos e tão parecidos aos demais, será ele (ela) capaz de olhar o seu paciente com o reconhecimento necessário para que ele próprio se conheça, aceite-se melhor, consiga tanto adequar-se à realidade externa quanto realizar mudanças, dentro e fora de si mesmo.
O termo “reconhecimento” traz em si pelo menos quatro diferentes significados psicanalíticos, segundo David Zimerman: (1) o reconhecimento de si próprio, de vivências passadas que já foram conhecidas do paciente; (2) reconhecimento do outro, como alguém diferente; (3) ser reconhecido ao outro, no sentido de gratidão; e (4) ser reconhecido pelo outro. Embora os quatro significados façam parte do processo terapêutico, é este último que caracteriza o que esse autor chama de “vínculo do reconhecimento” na psicoterapia. O vínculo do reconhecimento está ligado conceitos de empatia (poder colocar-se no lugar do outro) e de continência (ser capaz de tolerar os sentimentos, pensamentos e ações do outro). Estas são também as principais qualidades de uma boa mãe; aquelas que permitem que a criança se constitua como um ser independente.
Senão, vejamos o depoimento de outra paciente: “Os amigos dizem sempre alguma coisa do tipo: deixa isso pra lá, nem liga!!! Mas isso não adianta nada. O terapeuta escuta a gente sempre. Às vezes até reclamo que fica muito calado. Mas, mesmo no silêncio, ele vai fazendo parte de mim, e assim eu vou conseguindo ver coisas que não tinha visto antes...” Este “fazer parte” é o processo de ir se identificando como terapeuta, assim como ocorre com os pais, quando criança. No caso de um adulto, o que ele vai “colocar pra dentro” são aquelas qualidades que faltaram na relação com os adultos de sua infância.
Em resumo, a terapia serve para se obter reconhecimento e, através dele, obter o auto-conhecimento que permita melhor lidar com a realidade. Em última instância, isto significa ser capaz de aceitar as próprias carências, assim como poder reconhecer em si as próprias de virtudes e atributos positivos, como a capacidade de amar, criatividade, parcimônia, perseverança, curiosidade, generosidade, inteligência, flexibilidade, organização, habilidade esportiva, beleza física (sim, isto também!), força, sucesso, etc. Numa sociedade onde as pessoas sentem-se cada vez mais desenraizadas, fora das redes de convivência, apoio e reconhecimento que as comunidades tradicionais costumavam proporcionar, mais premente se torna a busca de ajuda especializada que, de alguma maneira, venha a prover o indivíduo dessa necessidade básica.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei!Mui bueno!

Anônimo disse...

Mesmo no silêncio, ele vai fazendo parte de mim...
Vivo isso literalmente como paciente em minhas sessões de psicoterapias, e como estudante de psicologia posso entender muito melhor...
amo teus escritos
Abç
Anody