Existe na sociedade contemporânea um padrão “aditivo”, ou seja, que induz à dependência? Pode-se falar em dependência a outras “drogas” que não as químicas, como jogo, comida e sexo, nos mesmos termos em que pensamos as dependências químicas? A comercialização de quais drogas deve ser criminalizada, e de quais deve ser liberada? E o consumo? Qual o peso relativo dos fatores sociais e dos individuais nas dependências? Existe uma relação entre transtornos narcísicos e o uso abusivo de drogas? Como se articulam os quadros de abuso de substâncias e os demais transtornos mentais?
O problema das drogas coloca a sociedade diante de muitas questões, a maior parte delas sem respostas definitivas. Em seu livro Drogas, por que as pessoas usam?, Francisco Baptista não apenas responde a algumas delas como traça um amplo painel sobre as drogas e seu consumo no Brasil. O autor não faz distinção entre as substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas, desde que sejam capazes de produzir dependência e causar danos significativos à saúde. Assim, inclui entre as drogas discutidas a cafeína, o tabaco, o álcool, os tranqüilizantes e os remédios psicoestimulantes, usados de maneira indiscriminada no Brasil, principalmente como inibidores de apetite.
O abuso de drogas não pode ser explicado através de fórmulas esquemáticas ou causalidades lineares. Não há culpados isolados nem causas únicas. Como tudo que se passa no campo da conduta humana, existem múltiplos fatores envolvidos. No entanto, não se pode fechar os olhos para o fato de que a sociedade contemporânea vem se caracterizando por níveis inéditos de produção, venda e consumo de substâncias psicoativas, e que as pessoas, principalmente os jovens, lançam-se numa corrida desenfreada em busca de novas sensações, de prazeres imediatos, de estados alterados de mente, como numa frenética fuga da realidade.
O narcisismo cultural da contemporaneidade está na base de uma mentalidade consumista, de uma insatisfação permanente, e de um vazio existencial que busca alívio no consumo de substâncias que, num primeiro momento, podem trazer sensação de prazer, mas que cobram um alto e crescente preço pela manutenção deste mesmo prazer. Com o tempo, pouco ou nada dele resta, senão a necessidade compulsiva de aliviar a falta da própria droga. Entre aqueles que buscam ajuda psiquiátrica e psicoterápica, não é raro observar casos de uso e abuso de drogas como uma tentativa desesperada de preencher o vazio existencial, aliviar a insegurança ontológica, ou amenizar sintomas de outros transtornos mentais associados.
Os sintomas ansiosos que levaram Fernando a me procurar inicialmente estavam associados a um uso crescente de maconha. Ele buscava alívio para suas angústias na maconha, que, por sua vez, acabou por desencadear várias crises de ansiedade. Na medida em que se tratou, com remédios e com terapia, diminui significativamente o consumo, tendo passado longos períodos em abstinência.
Outro paciente, um jovem de 19 anos que apresentava problemas de conduta e uso de maconha, cocaína e ecstasy, quando iniciou o tratamento revelou vários sintomas sugestivos de psicose. Ele vinha usando essas drogas desde há anos, e tinha uma história familiar importante de pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar de humor. Já existem muitas evidências científicas de que a exposição precoce às drogas, mesmo que exclusivamente a maconha, aumenta em praticamente dez vezes o risco de desenvolver psicoses. Felizmente, este jovem tem conseguido manter-se afastado das drogas, ciente de que disto depende sua saúde mental.
Há hoje uma larga produção artística, principalmente nas artes cênicas, sobre este tema. Poucos filmes, entretanto, impressionaram-me tanto quanto “Réquiem para um Sonho”, do diretor novaiorquino Darren Aronofsky. São histórias paralelas de quatro personagens. Enquanto um jovem, e sua namorada, vão se enredando nas teias da dependência à heroína, sua mãe, abandonada em casa, torna-se dependente de substâncias prescritas por médicos para emagrecer. Durante o dia toma anfetaminas e à noite tranqüilizantes, para dormir. Entre uns e outros, consome de forma igualmente compulsiva os programas populares da TV americana, até ver-se dentro deles, conduzida por delírios e alucinações resultantes do abuso das substâncias. No filme evidencia o problema da dependência a substâncias lícitas, como os remédios, e a outras formas de anestesiamento mental, como pode ser a televisão.
O Brasil, segundo noticiado recentemente, já é um dos países do mundo onde mais se consomem os tranqüilizantes, prescritos muitas vezes de forma irresponsável pelos próprios médicos. O medicamento clonazepam, mais conhecido pelo nome comercial Rivotril®, já é o segundo remédio mais vendido nas farmácias do Brasil. É uma situação grave, levando-se em conta que só pode ser comercializado mediante receita médica. Este é um potente tranqüilizante que, quando usado corretamente, pode ser um valioso instrumento no tratamento de transtornos psiquiátricos. Entretanto, sua prescrição continuada e indiscriminada pode trazer efeitos indesejáveis a curto e longo prazos, entre os quais uma importante dependência química.
Vivemos numa sociedade que é indutora de dependências de toda natureza, que incluem o jogo, os videogames, a Internet, a televisão, passando pelo sexo e pela comida, até uma gama enorme de substâncias que atuam no cérebro. A mídia exerce um papel importante nesse problema, possivelmente muito mais como indutora do uso do que como veículo de educação e prevenção. Ainda não existem estudos definitivos quanto à eficácia das campanhas contra as drogas. E há pelo menos um estudo mostrando que as leis que restringem os locais onde se pode fumar são mais eficazes entre os adolescentes do que aquelas fotos horríveis estampadas nos maços de cigarro.
Ainda assim, não se pode negar de que o conjunto de ações, que abarcam os campos da legislação, tributação, educação e repressão, têm contribuído decisivamente para um decréscimo do consumo de cigarros no Brasil. Uma pesquisa recente do INCA (Instituto Nacional do Câncer) mostrou que, em 1989, 33% dos brasileiros maiores de 18 anos fumavam. Hoje essa proporção é de 18%, tendo ocorrido uma queda de 45%.
Enquanto não existem divergências sobre a necessidade de severo combate ao tráfico de drogas, o mesmo não se pode dizer quanto à maneira de lidar com o consumo. Francisco Baptista é enfático ao criticar a criminalização do consumo, atitude que em sua opinião só reforça a crença de que o usuário é malandro, vagabundo, ou pessoa sem caráter. Esta perspectiva na maioria das vezes só acarreta danos ao próprio usuário, além de significar uma restrição à liberdade individual. O tema da descriminação do consumo, de fato, é bastante sensível e polêmico. As experiências de outros países têm mostrado resultados contraditórios e inconclusivos.
A atual epidemia de crack, que tem ganhado – ainda que tardiamente – algum espaço nos noticiários, impõe a busca de soluções urgentes. Tem-se assistido inclusive em telejornais o desespero de famílias em busca de ajuda para jovens seriamente afetados pelo abuso dessa substância destrutiva. A sociedade organizada e o poder público precisam oferecer respostas urgentes ao problema. O governo já estaria dando um passo importante se destinasse mais verbas para o setor da saúde mental, que sofre de muitas deficiências nesta e em outras áreas. São necessários programas específicos de tratamento no Sistema Único de Saúde, a criação de clínicas especializadas e a ampliação no número de leitos psiquiátricos em geral, e para o tratamento dos dependentes químicos.
O abuso de drogas não pode ser explicado através de fórmulas esquemáticas ou causalidades lineares. Não há culpados isolados nem causas únicas. Como tudo que se passa no campo da conduta humana, existem múltiplos fatores envolvidos. No entanto, não se pode fechar os olhos para o fato de que a sociedade contemporânea vem se caracterizando por níveis inéditos de produção, venda e consumo de substâncias psicoativas, e que as pessoas, principalmente os jovens, lançam-se numa corrida desenfreada em busca de novas sensações, de prazeres imediatos, de estados alterados de mente, como numa frenética fuga da realidade.
O narcisismo cultural da contemporaneidade está na base de uma mentalidade consumista, de uma insatisfação permanente, e de um vazio existencial que busca alívio no consumo de substâncias que, num primeiro momento, podem trazer sensação de prazer, mas que cobram um alto e crescente preço pela manutenção deste mesmo prazer. Com o tempo, pouco ou nada dele resta, senão a necessidade compulsiva de aliviar a falta da própria droga. Entre aqueles que buscam ajuda psiquiátrica e psicoterápica, não é raro observar casos de uso e abuso de drogas como uma tentativa desesperada de preencher o vazio existencial, aliviar a insegurança ontológica, ou amenizar sintomas de outros transtornos mentais associados.
Os sintomas ansiosos que levaram Fernando a me procurar inicialmente estavam associados a um uso crescente de maconha. Ele buscava alívio para suas angústias na maconha, que, por sua vez, acabou por desencadear várias crises de ansiedade. Na medida em que se tratou, com remédios e com terapia, diminui significativamente o consumo, tendo passado longos períodos em abstinência.
Outro paciente, um jovem de 19 anos que apresentava problemas de conduta e uso de maconha, cocaína e ecstasy, quando iniciou o tratamento revelou vários sintomas sugestivos de psicose. Ele vinha usando essas drogas desde há anos, e tinha uma história familiar importante de pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar de humor. Já existem muitas evidências científicas de que a exposição precoce às drogas, mesmo que exclusivamente a maconha, aumenta em praticamente dez vezes o risco de desenvolver psicoses. Felizmente, este jovem tem conseguido manter-se afastado das drogas, ciente de que disto depende sua saúde mental.
Há hoje uma larga produção artística, principalmente nas artes cênicas, sobre este tema. Poucos filmes, entretanto, impressionaram-me tanto quanto “Réquiem para um Sonho”, do diretor novaiorquino Darren Aronofsky. São histórias paralelas de quatro personagens. Enquanto um jovem, e sua namorada, vão se enredando nas teias da dependência à heroína, sua mãe, abandonada em casa, torna-se dependente de substâncias prescritas por médicos para emagrecer. Durante o dia toma anfetaminas e à noite tranqüilizantes, para dormir. Entre uns e outros, consome de forma igualmente compulsiva os programas populares da TV americana, até ver-se dentro deles, conduzida por delírios e alucinações resultantes do abuso das substâncias. No filme evidencia o problema da dependência a substâncias lícitas, como os remédios, e a outras formas de anestesiamento mental, como pode ser a televisão.
O Brasil, segundo noticiado recentemente, já é um dos países do mundo onde mais se consomem os tranqüilizantes, prescritos muitas vezes de forma irresponsável pelos próprios médicos. O medicamento clonazepam, mais conhecido pelo nome comercial Rivotril®, já é o segundo remédio mais vendido nas farmácias do Brasil. É uma situação grave, levando-se em conta que só pode ser comercializado mediante receita médica. Este é um potente tranqüilizante que, quando usado corretamente, pode ser um valioso instrumento no tratamento de transtornos psiquiátricos. Entretanto, sua prescrição continuada e indiscriminada pode trazer efeitos indesejáveis a curto e longo prazos, entre os quais uma importante dependência química.
Vivemos numa sociedade que é indutora de dependências de toda natureza, que incluem o jogo, os videogames, a Internet, a televisão, passando pelo sexo e pela comida, até uma gama enorme de substâncias que atuam no cérebro. A mídia exerce um papel importante nesse problema, possivelmente muito mais como indutora do uso do que como veículo de educação e prevenção. Ainda não existem estudos definitivos quanto à eficácia das campanhas contra as drogas. E há pelo menos um estudo mostrando que as leis que restringem os locais onde se pode fumar são mais eficazes entre os adolescentes do que aquelas fotos horríveis estampadas nos maços de cigarro.
Ainda assim, não se pode negar de que o conjunto de ações, que abarcam os campos da legislação, tributação, educação e repressão, têm contribuído decisivamente para um decréscimo do consumo de cigarros no Brasil. Uma pesquisa recente do INCA (Instituto Nacional do Câncer) mostrou que, em 1989, 33% dos brasileiros maiores de 18 anos fumavam. Hoje essa proporção é de 18%, tendo ocorrido uma queda de 45%.
Enquanto não existem divergências sobre a necessidade de severo combate ao tráfico de drogas, o mesmo não se pode dizer quanto à maneira de lidar com o consumo. Francisco Baptista é enfático ao criticar a criminalização do consumo, atitude que em sua opinião só reforça a crença de que o usuário é malandro, vagabundo, ou pessoa sem caráter. Esta perspectiva na maioria das vezes só acarreta danos ao próprio usuário, além de significar uma restrição à liberdade individual. O tema da descriminação do consumo, de fato, é bastante sensível e polêmico. As experiências de outros países têm mostrado resultados contraditórios e inconclusivos.
A atual epidemia de crack, que tem ganhado – ainda que tardiamente – algum espaço nos noticiários, impõe a busca de soluções urgentes. Tem-se assistido inclusive em telejornais o desespero de famílias em busca de ajuda para jovens seriamente afetados pelo abuso dessa substância destrutiva. A sociedade organizada e o poder público precisam oferecer respostas urgentes ao problema. O governo já estaria dando um passo importante se destinasse mais verbas para o setor da saúde mental, que sofre de muitas deficiências nesta e em outras áreas. São necessários programas específicos de tratamento no Sistema Único de Saúde, a criação de clínicas especializadas e a ampliação no número de leitos psiquiátricos em geral, e para o tratamento dos dependentes químicos.
Ilustração: cena de Réquiem para um sonho.
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