30 maio 2010

sobre os riscos do excesso


Durante muito tempo, três inquietações dominaram a relação com a cultura escrita. A primeira é o temor da perda. Ela levou à busca dos textos ameaçados, à cópia dos livros mais preciosos, à impressão dos manuscritos, à edificação das grandes bibliotecas. Contra os desaparecimentos sempre possíveis, trata-se de recolher, fixar e preservar. A tarefa, jamais finda, é ameaçada por um outro perigo: a corrupção dos textos. No tempo da cópia manuscrita, a mão do escriba pode falhar e acumular os erros. Na era do impresso, a ignorância dos tipógrafos ou dos revisores, como os maus modos dos editores, trazem riscos ainda maiores. Preservar o patrimônio escrito frente à perda ou à corrupção suscita também uma outra inquietude: a do excesso. A proliferação textual pode se tornar obstáculo ao conhecimento. Para dominá-lo, são necessários instrumentos capazes de triar, classificar, hierarquizar. Mas, irônico paradoxo, essas ferramentas são elas próprias novos livros que se juntam a todos os outros.

Segmento de A Aventura do Livro - do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun, de Roger Chartier, Editora Unesp, 1999. Abaixo, "Le rat de bibliotèque", de Carl Spitzweg, ilustração do mesmo livro.



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