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A questão da qual estamos tratando é: “como a Internet está mudando seu modo de pensar?" Para respondê-la é necessário que se leve em conta duas coisas: o pensamento não prescinde da linguagem, e a mente é um conjunto de processos mais amplos do que aquilo que ocorre no interior do cérebro. Para começar, recorro ao intelectual orgânico da nossa música popular, Caetano Veloso, que já nos aconselhou uma vez: “Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção. Está provado que só é possível filosofar em alemão”. Mais do que uma boa rima, existe uma grande dose de verdade neste verso, da música Língua. E não é apenas a tradição cultural que explica as ligações entre a língua alemã e a filosofia, senão a estrutura do idioma, o número de palavras para designar diferentes variações da mesma idéia e a possibilidade de formar novas palavras a partir daquelas já existentes. Em suma, o alemão é uma melhor ferramenta para se filosofar do que o português, que provavelmente seja melhor mesmo quando se trate de poetar.
O professor de cultura chinesa Yu-Kuang Chu dá uma boa pista da importância do idioma nos processos cognitivos. Quando presidia um comitê acadêmico bilíngüe, ele valia-se das vantagens que esta contingência lhe proporcionava. Quando pretendia estimular a solução de um problema à moda chinesa, com ênfase nos meios indiretos e nos sentimentos, dirigia as discussões falando em chinês, idioma que, por sua característica pictográfica, proporciona uma forma de pensar menos linear e lógica, baseada na correlação entre conceitos. Quando, por outro lado, preferia induzir uma abordagem mais racional e objetiva, valia-se do inglês, que, como as demais línguas ocidentais, tem uma estrutura baseada na lógica aristotélica.
O idioma é, sem dúvida, a principal ferramenta de comunicação e de intervenção no mundo, o que colocou os humanos numa posição diferenciada na escala evolutiva. Mas não é a única. Desde os trabalhos pioneiros dos ciberneticistas e dos teóricos da comunicação de meados do século passado, a mente já pode ser entendida como algo mais do que o conteúdo de uma “caixa preta” ou como aquilo que ocorre exclusivamente no “interior” do sistema nervoso central. O conceito de mente ampliou-se para abranger todos os processos pelos quais nos comunicamos com o mundo e com ele interagimos. Na imagem original de um dos pioneiros da revolução sistêmica, o antropólogo Gregory Bateson, faz parte da mente do cego a bengala que o guia, da mente do pianista o seu piano, da mente do ceifador a foice com a qual trabalha. Se atualizarmos os exemplos, vamos facilmente identificar o quanto o automóvel faz parte da mente do motorista e, mais importante para nossa discussão, aceitaremos a idéia de que o mouse e o teclado fazem parte da mente do usuário da Internet. As ferramentas com as quais operamos (além da ferramenta lingüística, propriamente dita) são incorporadas ao nosso aparelho cognitivo formando unidades indissolúveis. Mais do que as ferramentas físicas, já mencionadas, também a utilização das ferramentas de navegação disponibilizadas pela Internet, sobretudo o hiperlink, traze impacto importante sobre as nossas capacidades associativas, assim como a acessibilidade à informação modifica toda uma “economia mnêmica”, se me permitem o neologismo. Por exemplo, nos esforçamos agora por memorizar onde guardamos o link para determinadas informações, sabendo que o conteúdo propriamente dito estará disponível na “nuvem”.
A mente não incorpora apenas os instrumentos com os quais interagimos imediatamente com o mundo do qual fazemos parte. Na medida em que trabalha com instrumentos de comunicação que são construídos socialmente, ela é inerentemente social. Tanto o conhecimento quanto as reações emocionais estão mediadas pelos instrumentos de comunicação e troca sociais inerentes à cultura, dentre os quais a linguagem é o mais elaborado.
A pergunta de John Brockman parte do pressuposto de que, sim, a Internet muda o nosso modo de pensar! Como já relatei na primeira parte deste artigo, muitos dos estudiosos que responderam a ela não aceitam este pressuposto como válido. Para muitos a Internet não muda estruturalmente o pensamento, apenas facilitando o acesso à informação e fornecendo recursos suplementares à memória. Brockman, por sua vez, foi declaradamente influenciado pela teoria da informação, pela teoria dos sistemas e pela cibernética, o que explica sua visão da Internet como uma “oscilação infinita de nossa consciência coletiva interagindo consigo mesma”. É neste sentido que afirma que “novas tecnologias geram novas percepções. A realidade é um processo artificial. As nossas imagens do nosso mundo e de nós próprios são, em parte, os modelos resultantes de nossas percepções de as tecnologias que geram”.
Esta é também a minha convicção. A Internet não apenas muda os processos mentais naquilo que eles têm de mais individual, mas opera uma revolução na cultura com impactos importantes sobre a forma como pensamos, como nos relacionamos e como recriamos constantemente nossa condição humana.
O professor de cultura chinesa Yu-Kuang Chu dá uma boa pista da importância do idioma nos processos cognitivos. Quando presidia um comitê acadêmico bilíngüe, ele valia-se das vantagens que esta contingência lhe proporcionava. Quando pretendia estimular a solução de um problema à moda chinesa, com ênfase nos meios indiretos e nos sentimentos, dirigia as discussões falando em chinês, idioma que, por sua característica pictográfica, proporciona uma forma de pensar menos linear e lógica, baseada na correlação entre conceitos. Quando, por outro lado, preferia induzir uma abordagem mais racional e objetiva, valia-se do inglês, que, como as demais línguas ocidentais, tem uma estrutura baseada na lógica aristotélica.
O idioma é, sem dúvida, a principal ferramenta de comunicação e de intervenção no mundo, o que colocou os humanos numa posição diferenciada na escala evolutiva. Mas não é a única. Desde os trabalhos pioneiros dos ciberneticistas e dos teóricos da comunicação de meados do século passado, a mente já pode ser entendida como algo mais do que o conteúdo de uma “caixa preta” ou como aquilo que ocorre exclusivamente no “interior” do sistema nervoso central. O conceito de mente ampliou-se para abranger todos os processos pelos quais nos comunicamos com o mundo e com ele interagimos. Na imagem original de um dos pioneiros da revolução sistêmica, o antropólogo Gregory Bateson, faz parte da mente do cego a bengala que o guia, da mente do pianista o seu piano, da mente do ceifador a foice com a qual trabalha. Se atualizarmos os exemplos, vamos facilmente identificar o quanto o automóvel faz parte da mente do motorista e, mais importante para nossa discussão, aceitaremos a idéia de que o mouse e o teclado fazem parte da mente do usuário da Internet. As ferramentas com as quais operamos (além da ferramenta lingüística, propriamente dita) são incorporadas ao nosso aparelho cognitivo formando unidades indissolúveis. Mais do que as ferramentas físicas, já mencionadas, também a utilização das ferramentas de navegação disponibilizadas pela Internet, sobretudo o hiperlink, traze impacto importante sobre as nossas capacidades associativas, assim como a acessibilidade à informação modifica toda uma “economia mnêmica”, se me permitem o neologismo. Por exemplo, nos esforçamos agora por memorizar onde guardamos o link para determinadas informações, sabendo que o conteúdo propriamente dito estará disponível na “nuvem”.
A mente não incorpora apenas os instrumentos com os quais interagimos imediatamente com o mundo do qual fazemos parte. Na medida em que trabalha com instrumentos de comunicação que são construídos socialmente, ela é inerentemente social. Tanto o conhecimento quanto as reações emocionais estão mediadas pelos instrumentos de comunicação e troca sociais inerentes à cultura, dentre os quais a linguagem é o mais elaborado.
A pergunta de John Brockman parte do pressuposto de que, sim, a Internet muda o nosso modo de pensar! Como já relatei na primeira parte deste artigo, muitos dos estudiosos que responderam a ela não aceitam este pressuposto como válido. Para muitos a Internet não muda estruturalmente o pensamento, apenas facilitando o acesso à informação e fornecendo recursos suplementares à memória. Brockman, por sua vez, foi declaradamente influenciado pela teoria da informação, pela teoria dos sistemas e pela cibernética, o que explica sua visão da Internet como uma “oscilação infinita de nossa consciência coletiva interagindo consigo mesma”. É neste sentido que afirma que “novas tecnologias geram novas percepções. A realidade é um processo artificial. As nossas imagens do nosso mundo e de nós próprios são, em parte, os modelos resultantes de nossas percepções de as tecnologias que geram”.
Esta é também a minha convicção. A Internet não apenas muda os processos mentais naquilo que eles têm de mais individual, mas opera uma revolução na cultura com impactos importantes sobre a forma como pensamos, como nos relacionamos e como recriamos constantemente nossa condição humana.
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