01 outubro 2011

rumo ao abismo?



Sensacional esta coletânea de artigos curtos de Edgar Morin. Bom pra quem ainda não o conhece; bom pra quem já o conhece. O subtítulo: "Ensaio sobre o destino da humanidade" dá o tom das discussões. A coletânea foi publicada originalmente em 2007, mas a tradução sempre competente de Edgar de Assis Carvalho lançada no Brasil neste ano, pela Bertrand Brasil.
Você pode não concordar com tudo, mas não dá pra não reconhecer a riqueza do pensamento de Morin e a pertinência das questões que ele levanta. Reparem bem no problema da tensão inerente a ser singular e ao mesmo tempo universal. Na questão cultural, assim como étnica, Morin faz eco à genialidade de Gilberto Freire, já lembrada neste blog (aqui), como se vê nos trechos de "A cultura e a globalização...", transcritos mais abaixo neste post.
RUMO AO ABISMO?
Os desenvolvimentos da ciência, da técnica, da indústria, da economia, que doravante propulsionam a nave espacial Terra, não são regulados nem pela política nem pela ética nem pelo pensamento. [...] A barbárie odiosa oriunda do fundo das eras históricas se combina com a barbárie anônima e hostil da técnica própria à nossa civilização. A aliança entre elas ameaça o planeta. [...] As forças de resistência são fracas. As nações não podem resistir a uma expansão planetária incontrolada senão fechando-se de novo, de modo regressivo, em sua religião e em seu nacionalismo. A internacional cidadã em formação é muito frágil. Uma sociedade civil planetária não emergiu. A consciência de uma comunidade de destino terrestre é muito dispersa.


O DESAFIO DA GLOBALIDADE
Existe uma profunda cegueira na própria natureza do que deve ser um conhecimento pertinente. Segundo o dogma dominante, a pertinência cresce com a especialização e com a abstração. Um mínimo de conhecimento do que é o conhecimento nos ensina agora que o mais importante é a contextualização. [...] Marcel Mauss afirmava: "É preciso recompor o todo." Nós acrescentamos: é preciso mobilizar o todo. [...] Trata-se do problema universal de todo cidadão: como conseguir acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las, e com isso reconhecer e conhecer os problemas do mundo. Essa reforma, que inclui o desenvolvimento da contextualização do conhecimento, exige ipso facto a complexificação do conhecimento.

A CULTURA E A GLOBALIZAÇÃO NO SÉCULO XXI
O século XXI assistirá ao prosseguimento dos processos culturais concorrentes antagônicos e, por vezes, complementares que se manifestaram no fim do século XX: a ampliação da Internet como sistema neurocerebral artificial de caráter planetário, o desenvolvimento das multimídias, tudo isso vai acentuar e ampliar as tendências em curso e acentuar os antagonismos, de um lado, entre uma organização concentrada, burocrática e capitalista da produção cultural e, de outro, entre as necessidades internas de originalidade, singularidade, criatividade do ponto do produto cultural. [...] De forma semelhante, haverá desenvolvimento concorrente e interferente, de um lado, entre os processos de padronização cultural e, de outro, de individualização cultural não somente no nível das obras mas também de sua utilização.
Toda mestiçagem cria diversidade; reparem nas belas eurasianas e nas belas brasileiras. É preciso, também, deixar os homens e as culturas caminharem rumo à mestiçagem generalizada e diversificada, ela mesma, por sua vez, diversificante. [...] Todas as culturas têm uma possibilidade de assimilar o que lhes é inicialmente estrangeiro, pelo menos até certo limiar, variável segundo sua vitalidade e para além do qual são elas que se fazem assimilar e/ou desintegrar. Assim [...] devemos ao mesmo tempo, defender as singularidades culturais e promover as hibridações e mestiçagens: é preciso ligar a salvaguarda das identidades à propagação de uma universalidade mestiça ou cosmopolita, cuja tendência é destruir essas identidades.

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