23 abril 2007

Para terapeutas e pacientes


Dois excelentes livros sobre psicoterapia chegaram ao mercado editorial brasileiro no ano passado. Ambos foram escritos numa linguagem acessível tanto a especialistas quanto a leigos. Assim, são uma boa maneira de se iniciar nos mistérios da atividade psicoterápica, ou de fazer uma idéia melhor do que ela seja, antes de se aventurar como paciente. Para os terapeutas iniciantes, estes livros são uma boa oportunidade de conhecer os segredos de profissionais experientes, e para os mais experientes, uma boa oportunidade de repensar suas próprias práticas.

Irvin Yalom é o autor dos best-sellers Quando Nietzche chorou e A cura de Shopenhauer. Experiente psiquiatra e psicanalista, tem como característica a flexibilidade nas suas atitudes, e atribui enorme importância à contra-transferência, ou seja, ao adequado uso dos sentimentos e das intuições que o paciente desperta no terapeuta. Ele não teme revelar - com o devido cuidado - aspectos de sua vida, quando considera que isto possa ser útil, e sobretudo seus estados afetivos provocados pelas atitudes dos pacientes, permitindo a investigação no "aqui-e-agora" da sessão, de padrões que se repetem nas interações dos pacientes em sua vida "lá fora". Neste Os desafios da terapia, Yalom discorre, com elegância e sem se valer em nenhum momento dos jargões profissionais, vários outros aspectos do encontro terapêutico, como as peculiaridades de lidar com determinados temas (a morte, por exemplo), e a maneira de comunicar as próprias impressões aos pacientes. Para tanto, ele ilustra a discussão com vinhetas de casos clínicos extraídos de sua experiência como terapeuta e supervisor de outros terapeutas.

Os porcos-espinhos de Schopenhauer foi escrito por Deborah Luepnitz, também uma professora de psiquiatria e psicoterapia norte-americana. O curioso título remete a uma fábula do filósofo alemão, conhecida e mencionada por Freud, que relata o dilema de um grupo de porcos-espinhos num dia frio de inverno, entre se aproximarem para não congelar, e se afastarem para evitar os espinhos. Uma vez que este dilema é o mesmo vivido por muitas pessoas, a autora parte dele para fazer o relato bastante detalhado de cinco histórias de terapia. São cinco casos clínicos, dentre os quais uma terapia de casal, uma de família e três individuais, através dos quais Luepnitz ilustra as bases teóricas já expostas em linhas gerais na introdução.

O que há em comum entre Yalom e Luepnitz (além, é claro, do óbvio interesse por Schopenhauer) é a atitude frente ao conhecimento e ao paciente. Ambos comungam da visão do psicanalista francês Serge Laclaire de que "a psicanálise tem que ser reinventada para cada paciente". E ambos parecem claramente cientes de que nenhum conhecimento isoladamente pode dar conta da complexidade da condição humana. A conseqüência desta premissa é de que o caminho para acessar a subjetividade de cada pessoa pode ser diferente, ou então, de que vários caminhos podem ser igualmente úteis.

Muito antes desses dois autores, o terapeuta argentino Hector Fiorini - igualmente de formação psicanalítica - já dizia que, entre os eixos de construção de um psicoterapeuta, deve estar a experiência com várias técnicas terapêuticas. É como se observar um objeto de um só ângulo, ou de vários. Você pode preferir uma determinada perspectiva, mas ter em mente as demais amplia grandemente a apreciação do seu objeto. Yalom sugere a complementação da terapia individual com a terapia de grupo, além de ter vivenciado ele próprio, como confessa, experiências terapêuticas de vários matizes teóricos. Luepnitz, por exemplo, é capaz de articular as contribuições de psicanalistas de escolas diferentes, como Winnicott e Lacan, e, mais do que isto, a compreensão psicanalítica (o que acontece na pessoa, no intrapsíquico, ou seja, no "interior" da mente) com a abordagem sistêmica, familiar (o que acontece entre as pessoas e, principalmente, nos grupos familiares).

O que há em comum entre Yalom e Luepnitz é a busca por compreender o que acontece sob diferentes perspectivas, e por fazer opções particulares, frente a cada situação. As razões para essas opoções, e os seus resultados, esses autores tiveram a coragem de expor nesses dois intrigantes livros.


4 comentários:

Anônimo disse...

Vou aguardar então a continuação.

Anônimo disse...

A fabula dos porcos espinhos eu gostei muito da imagem em prevenção, pra se estar sempre em lugar bem aquecido, pra não precisar se aproximar de tantos outros espinhos.Vou aguardar a continuação.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Jorge Cardoso disse...

Simplificando o assunto. A verdade é que depois de um certo tempo a terapia é uma via de mão dupla. Como diz seu texto , guardado os devidos critérios e bases técnicas cada paciente constrói um banco de dados para o terapêuta. E essse banco ajudará cada paciente porque se constitui da diversidade do espírito humano.
Valeu ter lido