17 setembro 2008

na praia


Tendemos a ver somente o que já conhecemos, e só podemos nomear o que nos é permitido. As famílias têm regras muito estritas a este respeito. São os tabus familiares. Em algumas não se pode falar da morte, ou do câncer, ou da doença mental... São aqueles casos em que todo mundo sabe, e todo mundo faz de conta que não. Quando os sentimentos não são ditos, as crianças crescem sem aprender a nomeá-los, e aquilo que não pode ser nomeado não pode ser conscientizado, e não pode ser elaborado, e não pode ser expresso em palavras, e se transforma em sintomas, especialmente em sintomas físicos. Trata-se de uma condição que a psicanálise denomina de alexitimia, ou seja, a incapacidade (a) de usar palavras (lexi) para expressar os sentimentos (timia).

Um belo exemplo de como os tabus familiares – que se estabelecem para supostamente proteger aqueles que de outra forma seriam vistos como diferentes, ou estariam expostos a algum sofrimento – é descrito por Ian McEwan, em Na praia, novela na qual o protagonista cresce numa família cuja mãe é doente mental, mas cuja “diferença” fica encoberta pela fantasia compartilhada de que tudo está normal. No entanto,


a fantasia só podia durar enquanto não fosse falada. Eles cresceram no interior dela, e só puderam viver com neutralidade os absurdos dessa fantasia porque nunca os nomearam. [...] As crianças não ficavam envergonhadas de ouvir q mãe lhes contar coisas que elas sabiam não poder ser verdadeiras. Ela não tinha um dia movimentado pela frente, na verdade não passara a tarde inteira fazendo geléia de amora. Não eram falsidades, mas expressões do que a mãe de fato era, e eles estavam determinados a protegê-la – em silêncio. Foram portanto memoráveis os poucos minutos quando Edward, aos catorze anos, viu-se sozinho com o pai no jardim e ouviu pela primeira vez que a mãe era deficiente mental. [...] Se mais alguém tivesse dito aquilo sobre sua mãe, Edward se veria obrigado a partir para a briga e para as injúrias. Mas, ao ouvir num silêncio hostil essa calúnia, no fundo se sentiu aliviado. É claro que era verdade, e ele não podia combater os fatos. Na mesma hora, tratou de se convencer de que sempre soubera.


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