Estes são os nomes mais recentes da tragédia brasileira. A tragédia da violência urbana e da deterioração de valores morais, entre os quais o maior, o direito à vida. Entretanto quero me referir especialmente à outra tragédia, a dos nossos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, e seus impactos nas pessoas. Sim, “tragédia” é uma palavra apropriada neste caso também.
É claro que os nomes acima se referem aos brutais mortes da menina Isabella Nardoni, e mais recentemente, da adolescente Eloá. Em ambos os casos, o tema se tornou recorrente nas consultas e sessões psicoterápicas. Alguns de meus pacientes permaneceram horas diante do televisor, a procura das respostas a estas perguntas: o que leva um pai a tal grau de crueldade, e um jovem a tal descontrole? (E estou aqui presumindo a culpa dos indiciados, que é como a mídia trata esses casos.)
Uma paciente comentou que vira a entrevista realizada com um médico (provavelmente psiquiatria forense, ou seja, especializado numa área que estuda as chamadas “mentes criminosas”), sobre o rapaz que seqüestrou e supostamente matou Eloá. A queixa da paciente foi de que o médico nada respondeu, nada acrescentou ao que já havia sido dito, e não a ajudou a entender o “por que?” Sem a intenção de fazer uma defesa de classe, e sem ter visto a entrevista em questão, ponderei-lhe o seguinte, e se não o fiz desta forma, o faço agora: (a) possivelmente o psiquiatra não havia examinado o rapaz, que se encontrava isolado; (b) por imposição do código de ética médica, e pelo bom senso, ele não poderia emitir, portanto, qualquer conclusão diagnóstica, senão algumas hipóteses baseadas em generalizações; (c) o médico possivelmente tentou falar uma linguagem compreensível à população em geral, o que restringe sensivelmente o grau de aprofundamento sobre o que a psiquiatria pode sugerir a partir de casos semelhantes; e (d) provavelmente não houvesse mesmo, naquele momento, nada de novo a acrescentar.
Trágicos são os efeitos da cobertura desses casos pela mídia. Ora, direis – para usar uma expressão machadiana – isto ocorre em todos os países, e a Inglaterra é conhecida por sua imprensa marrom, sensacionalista. Não ocorre, entretanto, que se dê tanto espaço em horários nobres de televisão, com o claro objetivo de manter a população mesmerizada e cada vez mais envolvida emocionalmente. Sabemos que existem muitas outras Isabellas e Eloás, que não recebem o mesmo tratamento midiático. Os canais de TV exploram à exaustão os atributos talvez mais preciosos do “caráter nacional”: a generosidade, a solidariedade e a boa índole das pessoas comuns, que as levam a se identificar profundamente com o sofrimento alheio.
A capacidade da mídia de capitanear esses sentimentos é poderosa, mantendo incessantemente a expectativa de que algo de novo vai ser revelado no próximo momento. A paciente já mencionada revelou ter ficado horas a fio diante da TV, nos dias que se seguiram a este último evento, tentando entender os meandros de uma mente tão conturbada, apesar do desconforto emocional. Sofria, angustiava-se, mas não conseguia deixar de ver, como uma compulsão. Outra paciente, que revelou semelhante reação, afirmou evitar (com sucesso) assistir a filmes violentos, mas que, neste caso, não se tratava de filme...
Acontece que, assim como nos filmes de terror ou de violência, pode haver também a identificação, geralmente inconsciente, com os aspectos mais agressivos e primitivos dos “bandidos”, e esta seduz tanto o expectador quanto a anterior.
Recentemente a revista Veja publicou um artigo sobre o sucesso e a multiplicação das séries de TV americanas, os sitcoms, em que os protagonistas são violentos e criminosos. Um exemplo emblemático é “A Família Soprano”, que retrata a complexidade subjetiva de um chefe mafioso de New Jersey. Tony Soprano, o boss da família, mostra-se um pai carinhoso, um marido nada fiel, mas que sempre volta ao conforto do lar, e os laços de fidelidade e proteção com a “família”, no sentido que o termo possui na máfia. Ele até mesmo procura uma psicoterapeuta (e a produção parece ter contratado uma boa consultoria neste sentido) para ligar com suas contradições internas. O expectador identifica-se com os aspectos “bons” do personagem, mas não deixa de, em algum nível inconsciente, se identificar também com os mais primitivos e agressivos, o que faz da série, um sucesso de público.
Num momento de crise financeira, em que se discute a necessidade e extensão de mecanismos de controle sobre os mercados financeiros, talvez seja necessário também abrir a discussão sobre os possíveis mecanismos de auto-regulação dos meios de comunicação de massa no que diz respeito à divulgação desses crimes. Algo como existe no campo da publicidade e propaganda e nas indicações de faixas etárias para os programas de televisão. Ou teremos que aguardar que a sociedade se auto-eduque para não se deixar fisgar pelos apelos do jornalismo barato e sensacionalista, praticado mesmo pelos canais de TV com maior penetração e com maior poder de formar opinião. Afinal, sempre haverá quem queira fazer da violência um caminho para ter seu minuto de fama, e, como neste último episódio, pode acabar em tragédia para as vítimas, e também para a sociedade como um todo.
É claro que os nomes acima se referem aos brutais mortes da menina Isabella Nardoni, e mais recentemente, da adolescente Eloá. Em ambos os casos, o tema se tornou recorrente nas consultas e sessões psicoterápicas. Alguns de meus pacientes permaneceram horas diante do televisor, a procura das respostas a estas perguntas: o que leva um pai a tal grau de crueldade, e um jovem a tal descontrole? (E estou aqui presumindo a culpa dos indiciados, que é como a mídia trata esses casos.)
Uma paciente comentou que vira a entrevista realizada com um médico (provavelmente psiquiatria forense, ou seja, especializado numa área que estuda as chamadas “mentes criminosas”), sobre o rapaz que seqüestrou e supostamente matou Eloá. A queixa da paciente foi de que o médico nada respondeu, nada acrescentou ao que já havia sido dito, e não a ajudou a entender o “por que?” Sem a intenção de fazer uma defesa de classe, e sem ter visto a entrevista em questão, ponderei-lhe o seguinte, e se não o fiz desta forma, o faço agora: (a) possivelmente o psiquiatra não havia examinado o rapaz, que se encontrava isolado; (b) por imposição do código de ética médica, e pelo bom senso, ele não poderia emitir, portanto, qualquer conclusão diagnóstica, senão algumas hipóteses baseadas em generalizações; (c) o médico possivelmente tentou falar uma linguagem compreensível à população em geral, o que restringe sensivelmente o grau de aprofundamento sobre o que a psiquiatria pode sugerir a partir de casos semelhantes; e (d) provavelmente não houvesse mesmo, naquele momento, nada de novo a acrescentar.
Trágicos são os efeitos da cobertura desses casos pela mídia. Ora, direis – para usar uma expressão machadiana – isto ocorre em todos os países, e a Inglaterra é conhecida por sua imprensa marrom, sensacionalista. Não ocorre, entretanto, que se dê tanto espaço em horários nobres de televisão, com o claro objetivo de manter a população mesmerizada e cada vez mais envolvida emocionalmente. Sabemos que existem muitas outras Isabellas e Eloás, que não recebem o mesmo tratamento midiático. Os canais de TV exploram à exaustão os atributos talvez mais preciosos do “caráter nacional”: a generosidade, a solidariedade e a boa índole das pessoas comuns, que as levam a se identificar profundamente com o sofrimento alheio.
A capacidade da mídia de capitanear esses sentimentos é poderosa, mantendo incessantemente a expectativa de que algo de novo vai ser revelado no próximo momento. A paciente já mencionada revelou ter ficado horas a fio diante da TV, nos dias que se seguiram a este último evento, tentando entender os meandros de uma mente tão conturbada, apesar do desconforto emocional. Sofria, angustiava-se, mas não conseguia deixar de ver, como uma compulsão. Outra paciente, que revelou semelhante reação, afirmou evitar (com sucesso) assistir a filmes violentos, mas que, neste caso, não se tratava de filme...
Acontece que, assim como nos filmes de terror ou de violência, pode haver também a identificação, geralmente inconsciente, com os aspectos mais agressivos e primitivos dos “bandidos”, e esta seduz tanto o expectador quanto a anterior.
Recentemente a revista Veja publicou um artigo sobre o sucesso e a multiplicação das séries de TV americanas, os sitcoms, em que os protagonistas são violentos e criminosos. Um exemplo emblemático é “A Família Soprano”, que retrata a complexidade subjetiva de um chefe mafioso de New Jersey. Tony Soprano, o boss da família, mostra-se um pai carinhoso, um marido nada fiel, mas que sempre volta ao conforto do lar, e os laços de fidelidade e proteção com a “família”, no sentido que o termo possui na máfia. Ele até mesmo procura uma psicoterapeuta (e a produção parece ter contratado uma boa consultoria neste sentido) para ligar com suas contradições internas. O expectador identifica-se com os aspectos “bons” do personagem, mas não deixa de, em algum nível inconsciente, se identificar também com os mais primitivos e agressivos, o que faz da série, um sucesso de público.
Num momento de crise financeira, em que se discute a necessidade e extensão de mecanismos de controle sobre os mercados financeiros, talvez seja necessário também abrir a discussão sobre os possíveis mecanismos de auto-regulação dos meios de comunicação de massa no que diz respeito à divulgação desses crimes. Algo como existe no campo da publicidade e propaganda e nas indicações de faixas etárias para os programas de televisão. Ou teremos que aguardar que a sociedade se auto-eduque para não se deixar fisgar pelos apelos do jornalismo barato e sensacionalista, praticado mesmo pelos canais de TV com maior penetração e com maior poder de formar opinião. Afinal, sempre haverá quem queira fazer da violência um caminho para ter seu minuto de fama, e, como neste último episódio, pode acabar em tragédia para as vítimas, e também para a sociedade como um todo.
3 comentários:
oi pai
valeu por me ajudar a fazer meu blog espero que o seu vá bem
Tiago
Neste caso recente, li que um programa de tv (desses sensacionalistas que há por aí) chegou a fazer uma entrevista ao vivo com o sequestrador, pelo celular dele. Esse tipo de imbecilidade midiática eu ainda não havia visto.
Não tem como aprofundar o assunto aqui (aliás, morreu mais uma moça, recepcionista de academia, que havia feito 4 queixas em delegacias!).
Mas não vejo, honestamente, muita mudança no comportamento de homens e mulheres. Homens continuam sendo incentivados a fazer a "legítima defesa da honra" e as mulheres ainda aceitam muitas coisas para manter o status econômicos. Não conheço nenhum homem que não reclame do pagamento de pensão alimentícia.
Ser livre dá um trabalho....
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