24 janeiro 2007

A vingança da inépcia

Olavo de Carvalho

Aviso chocante a uma nação estupefata: o a craseado não é nenhuma monstruosidade abominável, é apenas o feminino da contração “ao”. É o equivalente de “aa”, onde o primeiro “a” significa a preposição “a” (ou “para”) e o segundo o artigo definido “a”. Quem quer que leve mais de dois segundos para entender isso e mais de três para aprender a aplicá-lo corretamente é um retardado mental, incapacitado para o exercício da cidadania adulta. Deve ser imediatamente destituído de qualquer função pública e entregue aos cuidados do INSS antes que faça alguma besteira perigosa.
Infelizmente, no Brasil, a quase totalidade dos parlamentares e governadores de Estado se inclui nessa classificação junto com o sr. Presidente da República e uma infinidade de jornalistas, professores universitários, oficiais de alta patente, juízes de direito, empresários e doutores em geral.
O acento grave destina-se a indicar uma contração preposicional que sem ele teria de ser adivinhada. Acreditar que pessoas incapazes de perceber essa contração com a ajuda do acento haveriam de apreendê-la mais facilmente sem ele é uma espécie de otimismo às avessas, bem característica de boçais inaptos para imaginar mesmo as hipóteses mais simples e óbvias da vida. Aqueles que se confessam humilhados pela crase não atinam com os abismos de humilhação e confusão a que a ausência dela os jogaria perante uma frase como: “Não envie à polícia.” Suprimam o acento grave e me digam se algo não deve ser enviado à polícia ou se a polícia não deve ser enviada a algum lugar. Nem o parlamento inteiro, reunido em sessão extraordinária permanente e empanturrado de jetons, poderia tirar essa dúvida.
Isso não quer dizer que a proposta de abolição da crase não tenha nenhum sentido. Ela tem um profundo sentido político, tanto que provém do mesmo partido que advoga a substituição dos exames vestibulares por sorteios, onde o acesso ao ensino superior será aberto igualitariamente aos capacitados e aos incapacitados, compensando por meio da ação estatal a injusta distribuição do QI entre os cidadãos. Ainda do mesmo partido provieram idéias como o salário mínimo vitalício, pago desde o berço talvez como compensação pelo destino cruel de nascer brasileiro, e a “poupança fraterna”, que nivelará por baixo os ganhos de todos, instaurando a distribuição igualitária da pobreza.
A inspiração comum de todos esses projetos de lei é o ódio radical dos complexados, burros, preguiçosos e incapazes às pessoas normais, saudáveis, diligentes e estudiosas. É o ressentimento da inépcia contra a capacidade, é a vingança do demérito contra o mérito. Isso faz muito sentido, faz sentido até demais: é a razão de ser do próprio PT.

Recebido de MaGenCo
Publicado originalmente no jornal Diário do Comércio.
Ilustração: Céllus

MEU COMENTÁRIO:

Embora concorde com as críticas de fundo à absurda proposta (note-se a importância da crase na frase!), motivo pelo qual transcrevo aqui o artigo, não subscrevo as generalizações hostis que o artigo contém, muito menos a subliminar sugestão feita na ilustração, associando a perplexidade frente à crase à "raça" negra (mais crases!). O mérito do artigo está em colocar a proposta no contexto geral de outras idéias, defendidas pelo governo ou por sua base de sustentação, como as cotas por cor da pele, o sorteio de vagas, e projeto de lei do deputado Aldo Arantes, apresentado antes de ser presidente da Câmara, de proibir qualquer palavra inglesa ou anglicismo na língua portuguesa, como se a evolução de um idioma vivo pudesse ser controlada (uma palavra chave!) pela legislação. Felizmente, tal proposta parece ter sido deletada (assim mesmo, do verbo deletar!) ou pelo menos engavetada, já que nunca se sabe!.. Quando deixar de ser presidente da Camara, talvez Aldo Rebelo queira se ocupar dela novamente.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ercy,

Tudo esta um ABSURDO!

Onde ja se viu sortear vaga pra universidade pra se livrar dos exames de seleção?!

Acho que estes doidos, estão confundindo esta coisa de sorteio e penso mesmo, que estão copiando o que foi proposto la na Belgica pro governo daqui;explico:

-Muitos estudantes Français estavam indo fazer universidade la na Belgica,porque os estudos por la são de melhor qualidade que aqui.

Problema:As faculdades dela, estavam se tornando lotadas de français et a France, não revertia nem um centavo, referente aos alunos, que estavam tomando os lugares dos Belgas.

Então, pra que se chegasse a um acordo:
-O gouv.Belga, estabeleceu recentemente que as vagas de unversidade,seriam sorteadas pra qualquer estudante Français.

Claro esta medida foi criada unicamente pra preservar a prioridade aos Belgas SO ISSO!!!

O que você expõe no seu post, me faz pensar que ai no bananal,o tal SABIDO deve ter lido ou escutado esta noticia e não soube INTERPRETAR o assunto et ops! ELE COPIA E JA ESTA COGITANDO APLICAR AI NO BRASIL!!!!!!!!

Não é possivel! O homem deve ter copiado A IDEIA NÃO PODE SER !!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Sobre crase, estou grog na escrita portuguesa por ter estado sem execicio +/-uns 20anos!
Aqui na escrita Française tem muitos accentos juntando o teclado, eu decidi deixar os accentos pra me dedicar pra formular em português que as vezes ainda encontro dificuldades.

Blogs como o seu, o Aluizio,o tambosi,strangemansparadise,mataador,reinaldo azevedo,malditospatos,fabiomayer etc. bref, vocês estão me permitindo entrar na escrita do portugues atravez da leitura e quando escrevo um comentario.

Agora estou "melhor" hehehehehehehe
mas que o inicio foi duro foi.

Ja em Français escrevo e formulo correcto com todas os arrodeios dos assuntos e sutilezas da escrita,quando falo, guardei um pequeno sotaque so pra fazer charme pra brincar e os Français adoram hahahahahahahahahahahahaha

Ercy Soar disse...

Julia, não se preocupe que no dia-a-dia, especialmente na Internet, todo mundo passa por cima de um ou outro acentos. A gravidade está em querer baní-lo do português formal.

jd disse...

Caro Ercy
Seu comentário ponderado salvou o texto de Olavo, cuja inspiração parece ser muito mais o ódio radical a um partido político (sem crase), do que o amor à gramática (com crase).
Abração

Anônimo disse...

Ercy,

tenho que concordar com Olavo. Principalmente no que respeita ao fato de que os politicamente corretos e os ressentidos de todos os gêneros não suportam a individualidade e as diferenças. Ora, como a inteligência é algo rarefeito na humanidade, uma exceção, desejam equalizar tudo. Fazendo isso, socializam a estupidez. Postei hoje uma crônica no meu blog intitulada: "Um passeio no zoológico". Isto aqui é uma terra dominada por botocudos.