Movido pela menção de Humberto Werneck (post de 29 de janeiro), voltei a ler O estrangeiro. Busquei minha “amarelecida” edição de bolso portuguesa, sem data, adquirida em maio de 1981, conforme registrei na primeira página.
O Estrangeiro relata uma sequencia simples de acontecimentos: um homem enterra sua mãe, arranja uma amante, comete um crime, é julgado. Uma sequencia que desvela o absurdo da existência, e provoca grande desconforto no leitor. Há evidentes ressonâncias entre O estrangeiro de Camus e O processo de Kafta. No primeiro, um crime que não é propriamente aquele pelo qual o réu é processado. No segundo, o processo sem que o réu conheça o seu crime... Em ambos, a culpa de ser (a propósito, inventada e fomentada pelo mito judaico-cristão do pecado original).
De fato, o estrangeiro é julgado não pelo assassinato de um homem, mas antes por não haver chorado no funeral da mãe; por não lhe ter guardado o “devido” luto; por não ter mantido o comportamento que se espera de uma boa alma cristã: “Sim – exclamou ele [o promotor público] com força –, acuso este homem de ter assistido ao enterro da mãe com um coração de criminoso”.
O julgamento que não é apenas o do herói do livro, como não é do crime que o levou ao banco dos réus. Daí porque ele assim descreve as “caras” que o observavam:
A incapacidade do capelão de aceitar o ateísmo do condenado é emblemática das diferenças entre crentes e ateus, da impossibilidade que estes demonstram de ver alem da própria fé. Diante da intransigência do religioso em oferecer o consolo da religião, o protagonista reage com condescendência, até onde pode suportar a insistência daquele.
PS. A intransigência, que mencionei acima, é a mesma doas atuais criacionistas, em seu embate com evolucionistas; e dos crentes em relação aos ateus confessos (um bom exemplo aqui). Ela aparece mais do que nunca agora, quando ocorre uma tomada de posição pública, inclusive no mundo acadêmico, em favor do ateísmo, acompanhada da censura escrachada da Igreja a essas manifestações. Exemplos da militância ateísta são os livros de Deus, um delírio do ingles Richard Dawkins e Tratado de ateologia do Frances Michel Onfray.
ILUSTRAÇÃO:
Corner sink, óleo de Kate Lehman
O Estrangeiro relata uma sequencia simples de acontecimentos: um homem enterra sua mãe, arranja uma amante, comete um crime, é julgado. Uma sequencia que desvela o absurdo da existência, e provoca grande desconforto no leitor. Há evidentes ressonâncias entre O estrangeiro de Camus e O processo de Kafta. No primeiro, um crime que não é propriamente aquele pelo qual o réu é processado. No segundo, o processo sem que o réu conheça o seu crime... Em ambos, a culpa de ser (a propósito, inventada e fomentada pelo mito judaico-cristão do pecado original).
De fato, o estrangeiro é julgado não pelo assassinato de um homem, mas antes por não haver chorado no funeral da mãe; por não lhe ter guardado o “devido” luto; por não ter mantido o comportamento que se espera de uma boa alma cristã: “Sim – exclamou ele [o promotor público] com força –, acuso este homem de ter assistido ao enterro da mãe com um coração de criminoso”.
O julgamento que não é apenas o do herói do livro, como não é do crime que o levou ao banco dos réus. Daí porque ele assim descreve as “caras” que o observavam:
Todas me olhavam: percebi que eram os membros do júri. Mas não sou capaz de dizer o que os dintiguia uns dos outros. Tive apenas uma impressão: eu estava no banco de um eléctrico e todos estes passageiros anônimos espiavam o recém-chegado para lhe observar os ridículos. Sei perfeitamente que esta ideia era parva, pois aqui não era o ridículo que eles procuravam, era o crime.
A incapacidade do capelão de aceitar o ateísmo do condenado é emblemática das diferenças entre crentes e ateus, da impossibilidade que estes demonstram de ver alem da própria fé. Diante da intransigência do religioso em oferecer o consolo da religião, o protagonista reage com condescendência, até onde pode suportar a insistência daquele.
“Todos que conheci no seu caso se voltaram para Ele.” [afirma o capelão] Reconheci que estavam no seu direito. Isso provava também que tinham tempo. Quanto a mim, não queria que ninguém me ajudasse e justamente faltava-me tempo para me interessar pelo que não me interessava.Minha edição traz um prefácio de Sartre, naquilo que teve de melhor. Embora centrado nas conexões entre o romance e a sua tradução filosófica do mesmo autor – O Mito de Sísifo –, é uma das mais claras sínteses do existencialismo que conheço, e que muito me marcou quando a li pela primeira vez. O absurdo, esclarece Sartre, é
o divórcio entre as aspirações do homem à unidade e o dualismo intransponível do espírito e da natureza, entre o impulso do homem em direcção ao eterno e o caráter finito da sua existência, entre a “preocupação” que é a sua própria essência e a inutilidade de seus esforços. A morte, o pluralismo irredutível das verdades e dos seres, a ininteligibilidade do real, o acaso, eis os pólos do aburdoLer O estrangeiro é entrar em contato com o absurdo absoluto. O absurdo para além rasteiro e demasiadamente mesquinho absurdo da vida cotidiana, especialmente dessa nossa, brasileira.
PS. A intransigência, que mencionei acima, é a mesma doas atuais criacionistas, em seu embate com evolucionistas; e dos crentes em relação aos ateus confessos (um bom exemplo aqui). Ela aparece mais do que nunca agora, quando ocorre uma tomada de posição pública, inclusive no mundo acadêmico, em favor do ateísmo, acompanhada da censura escrachada da Igreja a essas manifestações. Exemplos da militância ateísta são os livros de Deus, um delírio do ingles Richard Dawkins e Tratado de ateologia do Frances Michel Onfray.
ILUSTRAÇÃO:
Corner sink, óleo de Kate Lehman
2 comentários:
Estava lendo o blog que vc citoue penso assim:
Existem crentes e ateus fundamentalistas. Exemplo de crente fundamentalista: "Ateus não tem moral, ética podem matar, roubar sem escrupulos por não temerem a deus", "O grande problema, é que os ateus são gente falsa e más intenções"
Exemplo de ateu fundamentalista: "A religião é a origem de todos os males da humanidade (The root of all evil)", "A Inquisição matou mais gente que as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki".
Vc percebe alguma diferença entre eles? eu não.
A teoria evolucionista como todas as outras deixam questões sem respostas e tem suas falhas, o bom da ciência é que ela faz a crítica de se mesma e cria novos paradigmas. Os criacionistas para mim se aproveitam disso para defenderem algo que é uma questão de fé, de crença. Por mais improvável que a teoria evolucionista possa vir a ser nada mudará nada para os criacionistas, pois eles continuarão sem evidências. Agora, como o conhecimento está sempre em construção não defenderia a evolução das espécies como uma verdade com V maiúsculo entende?
Postar um comentário