Numa sociedade de consumo de massas, na qual cada vez mais a auto-estima está alicerçada nos símbolos externos de status e de poder, a frustração das expectativas torna-se uma fonte permanente de insatisfação. Valores morais e abstratos, como a generosidade, a simpatia, a amizade e o conhecimento, deixam de ser fontes de auto-estima e de reconhecimento social.
É esse o sentido que o termo tem no trabalho de importante pensador da cultura de massas Cristopher Lasch, autor do livro O mínimo eu. Lasch usa a expressão “retração narcísica” para caracterizar a busca da sobrevivência psíquica a partir de uma posição fundamentalmente individualista. O perfil do ser narcisista desenhado por Lasch é aquele de um indivíduo cético e cínico, oprimido pela cultura do individualismo competitivo e guiado por uma lógica de auto-preservação. Ganancioso, no sentido de que seus desejos não têm limites, exige imediata gratificação e vive em estado de um desejo perpetuamente insatisfeito.
É esse narcisismo patológico que torna as pessoas mais dependentes tanto da aquisição de bens, como as roupas de grife, os carros portentosos e os celulares de última geração. E é também o que leva as pessoas a buscarem a todo custo a exposição na mídia: nas colunas sociais, nos reality shows, e daí por diante É esse narcismo que não se satisfaz com o que tem, o que é vivenciado na forma de inveja e ingratidão, e que leva à busca sempre frustrada de um ideal de beleza e juventude eternas, como verdadeiras utopias do corpo.
O potencial desagregador do consumismo é percebido e criticado por muitas pessoas, embora seja muito difícil fugir a ele, uma vez que isto implicaria num considerável isolamento social. É o caso das tribos urbanas alternativas (neo-hippies, “bichos-grilos”, Hare-Krishnas, naturalistas, ecologistas e esquerdistas radicais, etc.). A inserção nos mercados de trabalho e o sucesso profissional na maioria das vezes dependem da aceitação dos códigos culturais que associam competência com os símbolos externos de sucesso. Em outras palavras, um certo grau de adaptação aos padrões de consumo deve ser considerado como um sinal de adaptação ao contexto social.
As relações entre globalização, consumo e narcisismo, não podem ser reduzidas a fórmulas esquemáticas. Assim como não se trata de ser a favor ou contra a globalização (que está aí independentemente das nossas vontades), o consumismo faz parte do estágio atual do capitalismo, que sem ele já não se sustenta. O capitalismo cria novas necessidades a cada dia, e a propaganda se encarrega de convencer-nos de que “não podemos não ter” o novo modelo de automóvel ou de celular; ou deixar de frequentar os lugares da moda.
Novamente, aqui encontramos o dilema entre individualidade e sociabilidade, ou, entre autenticidade e pertencimento. O quanto é possível sermos “nós mesmos” sem deixar de estarmos sintonizados com a cultura de nosso tempo, que está marcada pelo consumismo e pelas utopias do corpo, de beleza e juventude eternas. Em outras palavras, como fugir ao narcisismo cultural?
Mais do que fugir, o problema está em conviver com ele sem se deixar engolfar pelas pressões que exerce a ponto de nos sentirmos escravizados. O dilema aqui é aquele que coloca em polos opostos, de um lado a possibilidade de usufruir dos bens de consumo que trazem maior conforto, quando não são indispensáveis à vida nos grandes centros urbanos, e de outro a preservação de valores não materiais ou exteriores, como as qualidades morais, a afetividade, a solidariedade e conhecimento.
É esse o sentido que o termo tem no trabalho de importante pensador da cultura de massas Cristopher Lasch, autor do livro O mínimo eu. Lasch usa a expressão “retração narcísica” para caracterizar a busca da sobrevivência psíquica a partir de uma posição fundamentalmente individualista. O perfil do ser narcisista desenhado por Lasch é aquele de um indivíduo cético e cínico, oprimido pela cultura do individualismo competitivo e guiado por uma lógica de auto-preservação. Ganancioso, no sentido de que seus desejos não têm limites, exige imediata gratificação e vive em estado de um desejo perpetuamente insatisfeito.
É esse narcisismo patológico que torna as pessoas mais dependentes tanto da aquisição de bens, como as roupas de grife, os carros portentosos e os celulares de última geração. E é também o que leva as pessoas a buscarem a todo custo a exposição na mídia: nas colunas sociais, nos reality shows, e daí por diante É esse narcismo que não se satisfaz com o que tem, o que é vivenciado na forma de inveja e ingratidão, e que leva à busca sempre frustrada de um ideal de beleza e juventude eternas, como verdadeiras utopias do corpo.
O potencial desagregador do consumismo é percebido e criticado por muitas pessoas, embora seja muito difícil fugir a ele, uma vez que isto implicaria num considerável isolamento social. É o caso das tribos urbanas alternativas (neo-hippies, “bichos-grilos”, Hare-Krishnas, naturalistas, ecologistas e esquerdistas radicais, etc.). A inserção nos mercados de trabalho e o sucesso profissional na maioria das vezes dependem da aceitação dos códigos culturais que associam competência com os símbolos externos de sucesso. Em outras palavras, um certo grau de adaptação aos padrões de consumo deve ser considerado como um sinal de adaptação ao contexto social.
As relações entre globalização, consumo e narcisismo, não podem ser reduzidas a fórmulas esquemáticas. Assim como não se trata de ser a favor ou contra a globalização (que está aí independentemente das nossas vontades), o consumismo faz parte do estágio atual do capitalismo, que sem ele já não se sustenta. O capitalismo cria novas necessidades a cada dia, e a propaganda se encarrega de convencer-nos de que “não podemos não ter” o novo modelo de automóvel ou de celular; ou deixar de frequentar os lugares da moda.
Novamente, aqui encontramos o dilema entre individualidade e sociabilidade, ou, entre autenticidade e pertencimento. O quanto é possível sermos “nós mesmos” sem deixar de estarmos sintonizados com a cultura de nosso tempo, que está marcada pelo consumismo e pelas utopias do corpo, de beleza e juventude eternas. Em outras palavras, como fugir ao narcisismo cultural?
Mais do que fugir, o problema está em conviver com ele sem se deixar engolfar pelas pressões que exerce a ponto de nos sentirmos escravizados. O dilema aqui é aquele que coloca em polos opostos, de um lado a possibilidade de usufruir dos bens de consumo que trazem maior conforto, quando não são indispensáveis à vida nos grandes centros urbanos, e de outro a preservação de valores não materiais ou exteriores, como as qualidades morais, a afetividade, a solidariedade e conhecimento.
10 comentários:
Caro Ercy,
belo texto. Outro pensador que tem refletido sobre questões similares é Sigmund Bauman. Em todas as época sempre há os que olham com assombro a movimentação dos botocudos sobre o planeta. Bauman, por exemplo, faz isso sem ser prescritivo, o que já é uma vantagem. Seres humanos serão sempre um problema a resolver, mas sem solução...Freud falava em mal-estar e, assim, por diante.
Perfeita reflexão, Ercy
Assim como você citou as tribos alternativas que emergem como tentativa de resposta ao consumismo, eu tomaria a liberdade de lembrar a existência de outras tribos, também estabelecidas em nosso meio, porém talvez mais aceitas socialmente por compartilharem o endeusamento do Mercado e do Consumo, como por exemplo, os Yuppies, ou ainda os direitistas radicais, que aliás não conseguem escrever uma linha de pensamento sem que caiam na ingênua idéia de que os problemas do mundo existem por causa da Esquerda. Uma visão tão radical e reducionista quanto a dos esquerdistas radicais que eles tão radicalmente odeiam.
Abração, e continue nos brindando com textos como este.
ERCY, VINDO AQUI, ACABEI ME ATENDO MAIS AOS TEMAS E AUTORES SUBSEQUENTES, TAIS COMO BERTRAND RUSSELL E RICHARD DAWKINS, QUE ME ATRAEM MAIS. QUANTO AO PRIMEIRO, TENHO SEU LIVRO "POR QUENÃO SOU CRISTÃO" XEROCADO, MAS LHE GARANTO QUE SUA ÍNTEGRA PODE SER LIDA NA INTERNET; QUANTO A DAWKINS, É UM DOS MEUS GURUS. JÁ LI ALGUNS DE SEUS LIVROS E ACABO DE COPIAR E ARQUIVAR SUA CONFERÊNCIA EM TORNO DA QUESTÃO "CIÊNCIA NÃO É RELIGIÃO". ASSIM SENDO, FOI MUITO PROVEITOSA ESTA VISITA. AGRADEÇO SEU COMENTÁRIO NO MEU BLOGUE. ABRAÇO. MAGENCO
UM PEQUENO DESABAFO
Acho que o conteúdo resumiu, com muita propriedade, o assunto e, acima de tudo, ajudou-me a conectar idéias soltas que habitam minha mente sobre o mesmo."Valores morais e abstratos, como a generosidade, a simpatia, a amizade e o conhecimento, deixam de ser fontes de auto-estima e de reconhecimento social."
Fugindo um pouco do tema, sem a obrigação de ser erudito e correndo o risco de ser piegas, farei meu desabafo, baseado nas minhas últimas desventuras (em série) pessoais. Tenho, cada vez mais, ficado incomodado com a falta de generosidade e com a perversão do que deveria ser a amizade (que, portanto, deixa de ter este nome).
Em psicanálise, como pacientes, nas primeiras sessões, chegamos atribuindo a responsabilidade de tudo ao que é externo. Por outro lado, há uma tendência, à medida que seguimos em tratamento, de assumirmos um funcionamento totalmente oposto, caso o terapeuta não esteja atento, de nos responsabilizarmos por tudo. Algo que beira o "Perdoa-me por me traíres!” As “toalhadas molhadas” que antes eram desferidas pelos terapeutas, passam a ser desferidas por nós mesmos.
No entanto, a mudança de valores apontada no texto, fornece mais um dado de realidade, o qual aliado a outros tantos, nos desobriga de assumirmos o que não é nosso
(o que, por conseguinte, nos alivia) e de que é muito difícil viver num mundo tão cheio de amarras e adversidades. A psicanálise, pelo menos, dentro dos consultórios, precisa evoluir... Ou seja, imagino que o discurso surrado cheio de expressões como “o que é de fora não pode ser visto”, “é você que está aqui agora e não o outro”, “você provavelmente contribuiu ou criou isso” já não cola mais! É um discurso primário, cheio de ranços, embasado numa psicanálise que foi corrompida para uma psicanálise de almanaque, facilmente vendida. Os novos autores já se deram conta disso, mas sofremos ainda com uma prática inadequada inserida neste novo modelo de vida.
Se assumirmos a postura neutra, aquela que tudo parece entender e que nada parece sentir, corremos o risco de não sermos "pedagógicos", de mostrar para o outro o quanto foi "sacana" e que, pelo menos, alguma coisa deve ser devolvida para ele
em função de sua "sacanagem”. Isso também é educar... Mas até que ponto vale o desgaste para este processo educativo que deveria ter sido feito pelos pais???
A “amizade” é uma entidade que hoje se reduziu a um verdadeiro sistema de escambo, calcada em interesses (mútuos ou não) e em troca de favores. É efêmera, descartável e nauseante, justamente porque está a serviço de interesses facilmente mutáveis e vinculados às conveniências.
Sinceramente, imaginei que eu fosse mais resiliente à
falta de cortesia, à falta de educação e à incapacidade do outro
exercer a generosidade. Talvez, seja só uma fase, o que não sei se é bom ou ruim. Talvez eu seja eliminado pelo processo da seleção natural.
Aluizio,
um dos últimos livros do Bauman é exatamente sobre isto: Vida para consumo. Bem lembrado.
Joao,
de fato, ha tribos para todos os gostos. O neo-tribalismo, fenômeno inclusive apontado por Z.Bauman, de que falou Aluizio, é típico da sociedade contemporânea. Obrigado pela contribuição.
Mário,
a propósito, acabo de postar outro sobre o tema.
Anônimo,
considero sua crítica muito pertinente, especialmente a certos vícios da psicanálise. É isso mesmo, existe uma realidade externa que precisa ser levada em conta! Podemos, sim, examinar nossa relação com ela, e as reverberações que os fenômenos sociais provocam em nossa experiências mais pessoais. Obrigado por seu desabafo.
Ótimo post e os comentários tb. Autenticidade x pertencimento ficou na minha cabeça. Saber dosar o quanto ceder, o quanto abrir mão de nossa autenticidade para pertencer é complicado... Se não queremos ceder ficamos excluídos, por outro lado, a maioria opta por agir como todo mundo porque é mais seguro, às vezes até fala diferente, mas age como todo mundo e perde o que há de melhor em si...
Oi Luciana,
É isso mesmo, um entre tantos dilemas q enfrentamos hoje. No centro dele está o nosso narcisismo, o nosso senso de valor próprio, que tanto depende do reconhecimento do outro. De fato, a individualidade como foi pensada pelo Iluminismo, é uma ficção. Ninguém é totalmente autônomo e independente. Só existimos nas relações; só nos construímos a partir dos outros. Um livro ótimo sobre isto é "Vida em Comum" de Tzvetan Todorov. Outro, bem fininho mas conciso, é de Stuart Hall, "A identidade cultural na pós-modernidade".
Ficam as dicas pra vc, ou pra quem mais porventura passar por aqui.
Obrigado pelo teu comentário. Bj.
Ihhhhhhhhhhh, tem mais pacientes além de mim? rsrsrs
Quem resiste, né?
Sabe uma curiosidade que eu vou deixar como sugestão - um texto sobre alteridade. Confesso que não compreendo o sentido dessa palavra, mas acredito que ela está apensada nessa análise.
Shirlei Horta
Excelente texto, era a explicação que precisava para refletir e "abrir os olhos"
Prezado estudante, fico feliz que, depois de qse 3 anos, este post seja lido e contribua p/ a reflexão. Este tema foi ampliado num livro recentemente lançado por mim, sobre o qual vc encontra mais informações no inicio do blog: Os Outros que Somos. Obrigado pela visita e pelo comentário.
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