28 fevereiro 2009

tristeza ou depressão?


A palavra “tristeza” está em baixa no vocabulário contemporâneo. Afinal, em nossos dias, todos temos de ser felizes (e bonitos, e jovens) o tempo todo. Quando isto não é possível, as pessoas estão preferindo se dizer “depressivas”, pois aí existe o álibi de estarem doentes, e não sentirão a vergonha de terem se deixado abater por algo. Além disto, desde sempre as palavras tristeza e depressão têm sido usadas como sinônimos. Dizer que alguém está deprimido pode se referir a sentimentos de decepção, desesperança, desânimo e, é claro, de tristeza. No entanto, na psiquiatria há uma distinção importante entre elas, embora nem sempre muito facilmente compreensível para os leigos.



No campo médico, a tristeza é apenas um dos sintomas de um conjunto de manifestações que compõem a doença depressiva. Assim, não basta, do ponto de vista psiquiátrico, estar triste para que seja feito um diagnóstico de “depressão”. O sentimento de infelicidade deve ter uma duração determinada, e vir acompanhado de pelo menos certo número de outros sintomas, dentre os quais a falta de prazer e de disposição; pensamentos de doença, morte ou desvalorização; alterações de sono e apetite; e dificuldades de concentração e memória. Além disso, nem sempre o sintoma principal da doença depressiva é a tristeza. Às vezes ela dá lugar à irritabilidade e ao mau humor. Outras vezes, a tristeza fica menos evidente sob uma camada de ansiedade intensa.

Além disso, na sociedade contemporânea vem ocorrendo uma banalização e espetacularização da morte, o que contribui também para o isolamento emocional diante das perdas significativas. A morte é tão ostensiva e frequentemente mostrada em filmes e em noticiários, que paradoxalmente se torna um fenômeno emocionalmente distante de nós. Há ainda um mito social de que a pessoa deve reagir logo a uma perda (o que inclui o falecimento de alguém próximo), tocar a vida adiante, não se deixar abater. Tudo o que impede que o necessário luto seja vivenciado no seu devido tempo e com a necessária tristeza, sem o que a superação saudável se torna muito mais difícil.

Assim como se pode afirmar que a ansiedade e o medo são as reações naturais e esperadas frente ao desconhecido, a tristeza é a resposta normal frente às perdas de toda natureza: materiais, pessoais ou simbólicas. Entretanto, tem havido uma excessiva medicalização da tristeza e de outras características normais do comportamento humano. Esquece-se que a tristeza é fundamental para a elaboração de nossas experiências e para o aprendizado emocional. Se não nos entristecemos diante das perdas, ou dos sofrimentos próprios e alheios, não somos capazes de “elaborar” (resolver emocionalmente) essas experiências. A isto chamamos de “luto”, o período que se segue a qualquer perda importante.

Em psicoterapia, por exemplo, é necessário que o paciente tenha a oportunidade de se entristecer com as frustrações, com os insucessos, ou quando entra em contato com suas próprias limitações e responsabilidades nesses eventos. Ou seja, quando perde algumas idealizações sobre si mesmo. É por isso que uma terapia que somente forneça apoio ou consolo não ajuda ninguém a crescer, embora em algum momento estes recursos sejam fundamentais.

Muitas vezes o sentimento normal e saudável de tristeza é indevidamente tratado como depressão também pelos médicos e pelos serviços de saúde. Contribui para isso a má qualidade dos serviços públicos de saúde em nosso país, levando a atendimentos excessivamente rápidos e à busca de soluções simplificadoras. Se até recentemente o médico, diante de qualquer queixa emocional, entregava ao paciente uma receita de tranqüilizante (os famosos “faixas pretas”), agora a receita é de fluoxetina, o antidepressivo mais difundido, e disponível no sus. É evidente também a falta de uma formação adequada dos médicos para lidar com problemas emocionais dos pacientes, tanto no contexto privado quanto público. Tem havido um gradual progresso neste sentido; uma crescente tomada de consciência dos aspectos emocionais e psiquiátricos dos pacientes pelos futuros médicos, e não apenas pelos que pretendem seguir a carreira de psiquiatras. No entanto, este é um processo lento.

Sempre é bom lembrar que ficar triste nem sempre é estar com uma doença depressiva, e muito menos algo indesejável.



ILUSTRAÇÃO: foto de Marcus Claesson


3 comentários:

Orlando Tambosi disse...

Boa, Ercy. Viva a tristeza! Nada como ficar triste de vez em quando. Alegria demaiss vira coisa de circo.

Anônimo disse...

Eu sou um pote "até aqui" de ansiedade. Tenho filho; meu filho frequenta estádios; meu filho é normal, gosta de estar com amigos... ai, ai. Mas eu me policio até muito bem nesse caso.

Outro, que é bem mais difícil para mim, sou obrigada a confessar que tenho uma posição racional e outra que se aplica ao meu filho, é o crime de pedofilia. Sou contra a pena de morte. Mas..

Esse assunto é penoso para discussão de mães. Está sendo debatido no blog do Paulo Moreira Leite, diretor da revista Época, no seguinte endereço

http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/2009/03/05/pedofilia-e-pena-de-morte/

É um conflito grande. Se puder e se interessar, por favor dê uma opinião médica porque para nós, pais, é difícil comentar o assunto com isenção.

Shirlei Horta

Ercy Soar disse...

Esses conflitos não são só seus, são de todos os pais de hoje. Vou ver o blog, sim. Obrigado.