Chinês viciado em Internet morre após maratona de jogos online
(Reuters) Qua, 28 Fev - 10h49
PEQUIM - Um jovem chinês obeso de 26 anos morreu após participar de uma maratona de jogos online durante o feriado do Ano Novo Lunar, divulgou a mídia estatal nesta quarta-feira.
O rapaz de 150 quilos, morador do noroeste da China, morreu no sábado, o último dia do feriado, depois de passar "a maior parte" das comemorações de sete dias jogando online, disseram seus pais, segundo o China Daily.
Xu Yan, uma professora local, afirma que a "vida aborrecida" durante o feriado faz com que muitas pessoas liguem os computadores para se divertirem.
"Há apenas duas opções. TV ou computador. O que mais eu posso fazer no feriado quando todos os mercados e cafés estão fechados?", disse Xu de acordo com o diário chinês.
A China tem apresentado um aumento alarmante no número de adolescentes e jovens adultos viciados em Internet nos últimos anos, apesar das tentativas de proibir a entrada de menores em cibercafés e limitar o tempo em jogos online.
Cerca de 2,6 milhões, ou 13 por cento, dos 20 milhões de usuários de Internet na China com menos de 18 anos são considerados viciados, informou a mídia estatal.
28 fevereiro 2007
Internet pode matar
Seja você mesmo!
Artigo publicado originalmente na edição número 5 do Floripa Total, de fevereiro de 2005.
Você já dever ter ouvido aquela frase: “conhece-te a ti mesmo!” Pois é, ela estava escrita bem na entrada do oráculo de Delfos, na Grécia Antiga. Quem acabou levando os créditos desta sacada foi mesmo Sócrates, mas não sem alguma razão. Ele foi um dos primeiros a convidar os seus contemporâneos a refletir sobre a própria conduta, as próprias escolhas morais, e a buscar dentro de si a própria verdade. De lá pra cá, muita água já rolou, e essa idéia ficou como mais um projeto a ser realizado por nós...
Nas sociedades antigas, as pessoas tinham identidades que eram ditadas, muito mais do que hoje, pela inserção social ou a classe em que nasciam: escravos ou homens livres; servos da gleba ou senhores feudais; soldados, membros do clero ou da realeza... Ninguém parava pra pensar (ou pelo menos não temos registro disso) “o que eu quero ser?”, pois isto já estava em grande medida pré-determinado.
A primeira autobiografia introspectiva de que se tem notícia foi escrita por Santo Agostinho, lá pelo finalzinho do quarto século da era cristã. (Autobiografia introspectiva é um nome bonito pra “memórias”.) Em suas Confissões, ele escreveu: “chego aos campos e vastos palácios da memória... É lá que encontro a mim mesmo, e recordo das ações que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las...”
Mas nem todo mundo era um santo agostinho, e os mais comuns dos mortais teriam ainda muito que esperar até poderem se achar “gente”, com direitos e deveres individuais. Durante toda a Idade Média as pessoas tiveram ainda que rezar pela cartilha da Igreja, e só depois do Iluminismo europeu, já por volta do século XVIII, o ser humano ocidental passaria a se pensar como um “indivíduo”, com aspirações pessoais, capacidade de escolha e responsabilidades pelo seu destino.
Mais recentemente ainda, a idéia de ser um indivíduo deu lugar ao sentimento de “individualismo”. Demos o passo fatal da individualidade ao individualismo, e este está presente em todas as dimensões das relações cotidianas: na competição, na falta de cortesia, no desrespeito ao próximo, na destruição de recursos naturais que são de todos... Parece que nos esquecemos que nada somos sem referência aos outros, que tudo aquilo que nos define remete a outra pessoa, a uma família, a uma comunidade, a uma cultura... E, como fazemos parte de muitos grupos diferentes, somos também muitas pessoas diferentes numa única pessoa.
Assim, só posso ser “eu mesmo” se eu souber dizer pra quem eu sou, em que grupo estou inserido, em qual ambiente eu circulo. A sociedade contemporânea, como nunca antes na história da humanidade, tem ampliado as possibilidades de sermos muitos ao mesmo tempo, de darmos vazão a facetas e impulsos diversos de nossa personalidade. O psicólogo social norte-americano Kenneth Gergen diz que o sujeito contemporâneo é um “eu saturado”: saturado de informações, de modelos, de influências, de possibilidades latentes.
Da próxima vez que alguém lhe disser “seja você mesmo!”, pare pra pensar... Primeiro: em algum momento pode deixar de ser você mesmo? Não acredito. Mesmo que você queira se fazer passar por outra pessoa, agir de um jeito que não é o seu habitual, é ainda você... Segundo: há mesmo apenas um eu, ou, de fato, vários eus que se mostram mais ou menos diferentes em cada circunstância.
Isso me faz lembrar de um delicioso livro do italiano Luigi Pirandello, chamado Um, Nenhum e Cem Mil, no qual certo dia o sujeito se dá conta que tem um defeito no nariz que nunca havia notado antes. A partir daí, faz uma tortuosa viagem mental para chegar à conclusão de que “mesmo para si mesmo fulano tem tantas realidades quantos são os seus conhecidos, porque comigo ele se conhece de um modo e, com vocês e com terceiros, de outro, e assim por diante, embora permaneça a ilusão – especialmente nele – de ser um só para todos”.
É, a gente não tem mesmo como fugir de si mesmo, e, portanto, não tem como não ser “eu mesmo” o tempo todo, mesmo sendo, ao mesmo tempo, cem mil. O que a gente pode tentar é se conhecer melhor, conhecer essa multidão de eus que traz dentro de si, para que “eles” e “elas” possam se acomodar melhor, estar em paz; para que a gente saiba o que tem de melhor e o que tem de pior, e possa lançar mão disto quando preciso (de preferência, do que se tem de melhor!!!)
Luigi Pirandello, pintado por seu filho FAUSTO PIRANDELLO.
25 fevereiro 2007
Processo de hominização
Na luta pela sobrevivência da espécie, o Homo sapiens teve mais êxito que o seu contemporâneo homem de Neandertal, entre outras possíveis razões, porque (a) possuia um lobo frontal mais desenvolvido, região responsável tanto pela organização social quanto pelo planejamento de atividades (por exemplo, ser capaz de armazenar alimentos para épocas de escassez); (b) foi capaz de desenvolver ferramentas para utilizar outras ferramentas (o que o diferencia dos grandes símios, que são igualmente capazes de usar ferramentas). Por exemplo, utilizar a linha com uma agulha. Esta capacidade está ligada a um maior desenvolvimento do lobo parietal inferior; (c) houve maior diferenciação entre os sexos, na divisão de tarefas e habilidades. A habilidade relacionada ao desenvolvimento da linguagem parece ter sido uma contribuição importante do sexo feminino (!!!).
As linhagens de humanos e chimpanzés, nosso parente mais próximo, se separaram aproximadamente há 4.1 milhões de anos, ou seja, a muito menos tempo do que se pensava anteriormente. Os estudos de Asger Hobolth da North Carolina State University levaram a esta nova estimativa do "tempo em que nos tornamos humanos," ou o tempo transcorrido desde que os descendentes de um ancestral comum se tornaram respectivamente humanos e chimpanzés, através da comparação estatística do DNA de regiões específicas dos genomas de humanos, chimpanzés e gorilas.
21 fevereiro 2007
Em tempos de neutralização
A fonte é o Greenpeace. Clique na imagem para ver como está hoje!
"Neutralização" é o novo termo politicamente correto que se refere à iniciativa de plantar um número de árvores suficiente para absorver a emissão de CO2 na atmosfera, causada por um determinado evento. Por exemplo, uma viagem aérea SP-NY, ida e volta, necessitaria do plantio de 1.000 árvores para compensar a poluição (não vai ser fácil!!!). Há uma matéria na Veja desta semana sobre o assunto.
É assim que pessoas e empresas estão buscando aplacar a culpa (veja post abaixo) pela respectiva parcela de responsabilidade no desastre que já se prenuncia para todos nós.
20 fevereiro 2007
Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock'n'Roll
Culpa & vergonha
O tema surgiu na Lista Brasileira de Psiquiatria, e alguém enviou esta citação sobre as diferenças entre os dois termos:
A culpa diz que fiz algo errado; a vergonha diz que há algo errado comigo. A culpa diz que cometi um erro; a vergonha diz que sou um erro. A culpa diz que algo que fiz não era bom; a vergonha diz que eu não sou bom (Bradshaw, 1988).
Segundo a teoria psicanalítica, a culpa é o produto da ação do superego, ou seja, da parte do "eu" que guarda o conjunto de normas e preceitos morais, aprendidos ao longo do desenvolvimento. É o superego que nos diz, em resumo, o que é certo e errado. Quando fazemos algo que o superego nos diz ser errado, sentimos culpa e ansiedade, que é a expressão de um temor de punição. É o superego e, portanto, o sentimento de culpa, que faltam aos psicopatas ou sociopatas, que são capazes de fazer mal aos outros e à sociedade sem qualquer remorso.
A vergonha, segundo esse mesmo modelo teórico, está associada à uma parte do "eu", ou, em outras palavras, uma instância psíquica, denominada de ideal do ego. Este é o modelo que temos daquilo que gostaríamos de ser. É o conjunto de idealizações que fazemos sobre os atributos (físicos, intelectuais ou morais) que desejamos para nós mesmos. É o ideal de ego que regula, portanto, o nosso narcisismo, ou seja, o quanto temos ou carecemos de amor-próprio, de auto-estima. Quando falhamos em atingir, ou nos aproximarmos desse ideal, dependendo de quanto temos segurança de nossos próprios valores, sentiremos maior ou menor vergonha.
Ambos os sentimentos devem estar presentes na personalidade madura, e são fundamentais para o nosso desenvolvimento pessoal e para as relações interpessoais. Quando em excesso, entretanto, podem gerar grande sofrimento. As patologias da culpa são aquelas caracterizadas pela ansiedade, pelo medo e pela depressão. A vergonha excessiva está relacionada às patologias narcísicas, à baixa auto-estima, e também à depressão.
(Para ler sobre o ciúme)
19 fevereiro 2007
16 fevereiro 2007
&
Recebi a dica deste site do colega médico e blogueiro MaGenCo. Trata-se de Sua Língua (que já está devidamente adicionado à lista de sites ao lado), editado por Cláudio Moreno que, se bem entendi, mantém também a Coluna O PRAZER DAS PALAVRAS, no Jornal Zero Hora.
Como eu utilizo com freqüência o caractere "&", tive a curiosidade de ver o que o professor escreveu sobre ele. Se lhe interessar, leia o resto da história no site indicado...
O SINAL "&"
Outro dia, um ilustre leitor (que não vou identificar, a pedido seu) me ligou para saber de onde veio o caractere &. Na ocasião, aproveitou para declarar sua revolta com a denominação de "e comercial", que considera "muito chinfrim para um sinal tão bonito, tão artisticamente caligráfico!", e pediu que eu investigasse se não poderíamos chamá-lo por outro nome. Como eu também sou fã do &, aceitei o desafio. Este sinal é uma espécie de monograma que foi criado em Roma para representar a conjunção latina et (a mãe de nossa conjunção aditiva E). Nos quinze séculos que vão de sua criação, um pouco antes de Cristo, até o desenvolvimento dos caracteres tipográficos, no Renascimento, seu formato passou por dezenas de reformulações que o deixaram visualmente desvinculado do traçado original. Calígrafos medievais e renascentistas propuseram belíssimas variações para o seu desenho, mas o desenvolvimento da contabilidade (e, conseqüentemente, dos livros contábeis) forçou sua padronização e simplificação para o & atual. Assim mesmo, em algumas famílias tipográficas ainda é possível distinguir as letras que o compõem; quem tem no computador fontes como Book Antiqua ou Garamond, por exemplo, basta escrever o & em itálico para ver nitidamente a letra E mesclada à letra T:
Book Antiqua
Garamond
15 fevereiro 2007
Coração de estudante
Desenho de 1976, ano do ingresso no curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná. O original foi desenhado com caneta hidrográfica sobre papel. Aqui, postei aqui uma versão "em negativo".
desenho anterior
14 fevereiro 2007
Jabor
Recebi pela Internet. Não costumo repassar as centenas de denúncias que recebo semanalmente. Neste caso, entretanto, o texto foi indiscutivelmente escrito por Jabor, e a gravidade do fato merece o espaço que lhe dedico aqui.
Comentário de Dora Kramer, Estadão de Domingo: "A decisão do TSE que determinou a retirada do comentário de Arnaldo Jabor do site da CBN, a pedido do presidente 'Lulla' até pode ter amparo na legislação eleitoral, mas fere o preceito constitucional da liberdade de imprensa e de expressão, configurando-se, portanto, um ato de censura." Em outro trecho: "Jabor faz parte de uma lista de profissionais tidos pelo presidente Lula como desafetos e, por isso, passíveis de retaliação à medida que se apresentem as oportunidades!"
photo
13 fevereiro 2007
Os vínculos de reconhecimento (IV)
Continuação da série de artigos que venho publicando no Floripa Total (link ao lado) e neste blog, sobre a importância do reconhecimento na construção da identidade. Para acessar a partes anteriores clique aqui.
Nas três partes anteriores deste artigo abordei respectivamente: o surgimento da idéia de “indivíduo” na filosofia e na psicologia; as contribuições da psicanálise, especialmente sobre a importância dos vínculos mais precoces do bebê com sua mãe (ou cuidadores primários); e os processos de identificação grupal. Esta quarta e última parte é dedicada ao vínculo de reconhecimento na psicoterapia.
Para que serve a psicoterapia, afinal? Esta pergunta foi realizada a um grupo de pacientes, como parte da pesquisa realizada para minha tese de doutoramento. Agrupei as respostas em sete categorias que menciono a seguir: (1) obter auto-conhecimento, (2) fazer mudanças, (3) ter um oportunidade de reflexão, (4) adequar-se melhor à realidade, (5) aceitar-se melhor, (6) ter apoio para , (7) obter reconhecimento. Este último itemsintetiza, em boa medida, todos os demais, pois, como vimos anteriormente, o reconhecimento do outro é fundamental para cada pessoa possa se constituir com um indivíduo com suficiente grau de independência e autonomia.
Um de meus entrevistados resumiu o objetivo da terapia da seguinte maneira: “Terapia pra mim é aceitar-se!”. Ele não aceitava que pudesse “fraquejar”, ou seja, que tive limitações ou necessidade de ajuda. A partir da terapia, disse ele, “comecei a perceber que até o último dia da minha vida eu vou ter que estar melhorando. Aprendo cada dia a lidar com as mazelas da vida”. Esse movimento, no sentido da auto-aceitação, que só ocorre a partir do auto-conhecimento, tem a sua matriz na aceitação inicial do terapeuta; no reconhecimento do terapeuta.
Reconhecer é olhar o outro com respeito e aceitação para com suas limitações e suas capacidades; é olhar o outro em sua diversidade tanto quanto na sua universalidade, o que significa dizer, em sua dignidade humana. Somente se o terapeuta é capaz de lidar com esse binômio, com a dialética intrínseca da nossa condição humana, de sermos ao mesmo tempo tão únicos e tão parecidos aos demais, será ele (ela) capaz de olhar o seu paciente com o reconhecimento necessário para que ele próprio se conheça, aceite-se melhor, consiga tanto adequar-se à realidade externa quanto realizar mudanças, dentro e fora de si mesmo.
O termo “reconhecimento” traz em si pelo menos quatro diferentes significados psicanalíticos, segundo David Zimerman: (1) o reconhecimento de si próprio, de vivências passadas que já foram conhecidas do paciente; (2) reconhecimento do outro, como alguém diferente; (3) ser reconhecido ao outro, no sentido de gratidão; e (4) ser reconhecido pelo outro. Embora os quatro significados façam parte do processo terapêutico, é este último que caracteriza o que esse autor chama de “vínculo do reconhecimento” na psicoterapia. O vínculo do reconhecimento está ligado conceitos de empatia (poder colocar-se no lugar do outro) e de continência (ser capaz de tolerar os sentimentos, pensamentos e ações do outro). Estas são também as principais qualidades de uma boa mãe; aquelas que permitem que a criança se constitua como um ser independente.
Senão, vejamos o depoimento de outra paciente: “Os amigos dizem sempre alguma coisa do tipo: deixa isso pra lá, nem liga!!! Mas isso não adianta nada. O terapeuta escuta a gente sempre. Às vezes até reclamo que fica muito calado. Mas, mesmo no silêncio, ele vai fazendo parte de mim, e assim eu vou conseguindo ver coisas que não tinha visto antes...” Este “fazer parte” é o processo de ir se identificando como terapeuta, assim como ocorre com os pais, quando criança. No caso de um adulto, o que ele vai “colocar pra dentro” são aquelas qualidades que faltaram na relação com os adultos de sua infância.
Em resumo, a terapia serve para se obter reconhecimento e, através dele, obter o auto-conhecimento que permita melhor lidar com a realidade. Em última instância, isto significa ser capaz de aceitar as próprias carências, assim como poder reconhecer em si as próprias de virtudes e atributos positivos, como a capacidade de amar, criatividade, parcimônia, perseverança, curiosidade, generosidade, inteligência, flexibilidade, organização, habilidade esportiva, beleza física (sim, isto também!), força, sucesso, etc. Numa sociedade onde as pessoas sentem-se cada vez mais desenraizadas, fora das redes de convivência, apoio e reconhecimento que as comunidades tradicionais costumavam proporcionar, mais premente se torna a busca de ajuda especializada que, de alguma maneira, venha a prover o indivíduo dessa necessidade básica.
11 fevereiro 2007
Sonho portenho
Creía, y creo, que hace dos mil quinientos años hubo un príncipe del Nepal llamado Siddharta o Gautama que llegó a ser el Buddha, es decir, el Despierto, el Lúcido - a diferencia de nosotros que estamos dormidos o que estamos soñando ese largo sueño que es la vida -. Recuerdo una frase de Joyce: "La historia es una pesadilla de la que quiero despertarme." Pues bien, Siddharta, a la edad de treinta años, llegó a despertarse y a ser el Buddha.
Jorge Luis Borges, El Budismo, em Siete Noches.
08 fevereiro 2007
Infância
Meu pai e minha mãe conservavam-se grandes, temerosos, incógnitos. Revejo pedaços deles, rugas, olhos raivosos, bocas irritadas e sem lábios, mãos grossas e calosas, finas e leves, transparentes. Ouço pancadas, tiros, pragas, tilintar de esporas, batecum de sapatões no tijolo gasto. Retalhos e sons dispersavam-se. Medo. Foi o medo que me orientou nos primeiros anos, pavor. Depois as mãos finas se afastaram das grossas. lentamente se delinearam dois seres que me impuseram obediência e respeito. Habituei-me a essas mãos, cheguei a gostar delas. Nunca as finas me trataram bem, mas às vezes molhavam-se de lágrimas - e os meus receios esmoreciam. As grossas, muito rudes, abrandavam em certos momentos. O vozeirão que as comandava perdia a aspereza, um riso cavernoso estrondava - e os perigos ocultos em todos os recantos fugiam, deixavam em sossego os viventes miúdos: alguns cachorros, um casal de moleques, duas meninas e eu.
Bico de pena
07 fevereiro 2007
um bom trabalho científico
Este tópico foi originalmente postado no dia 01 de novembro de 2006. Devido a sua utilidade, e para tornar o acesso de meus alunos mais fácil, volto a editá-lo com a data presente.
A primeira coisa que o conferencista nos lembra é que se Einstein fosse vivo, não teria hoje a mínima change de obter sucesso na comunidade científica, uma vez que não publicou durante anos, não pleiteava verbas para pesquisa, não dava aulas, não prestava consultorias nem dava pareceres, e não tinha discípulos.
06 fevereiro 2007
Bistrô
A conquista da perfeição
Impressionante reconstituição da cena da vitória da histórica batalha ocorrida na ilha japonesa de Iwo Jima, ao final da II Guerra Mundial, em 1945. Em A conquista da honra, filme dirigido por Clint Eastwood que está entrando em cartaz no país. As fotos foram publicadas na revista Veja da semana passada.
04 fevereiro 2007
Que peça!
03 fevereiro 2007
Para Viver Um Grande Amor
Vinicius de Moraes
Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.
Ilustração Baptistão (link ao lado)
Post dedicado à Magna
02 fevereiro 2007
Norah sings Bob
Norah Jones cantando uma canção de Bob Dylan, Heart of Mine, no album New York City, de 2003, gravado com o guitarrista Peter Malick.
De quebra, a gravação original, de 1981, do álbum Shot of Love.
Este post foi "importado" do blog do João David, que é o consultor especial para assuntos musicais deste blog (além de ser grande fã do Bob Dylan). Clique aqui para ir até lá e ouvir as duas gravações, já que eu não aprendi ainda a blogar os players com as músicas, e o João David é um expert nisso!
Oscar 2007
Achei no Achei por aí (link ao lado), que deve ter achado por aí, o cartaz do Oscar deste ano (dia 25 de fevereiro), com frases famosas de filmes, ao fundo. Será que tem "Play it again, Sam!"?
Veja aqui matéria sobre o poster e, no mesmo site, outras informações sobre a premiação.
01 fevereiro 2007
Em busca de si-mesmo
A segurança ontológica requer uma crença na continuidade da auto-identidade e dos ambientes nos quais ela se organiza. Uma das formas que o indivíduo tem de se defender da angústia associada aos riscos e à reflexividade é a manutenção de rotinas que lhe assegurem uma sensação de continuidade temporal nas narrativas do eu. É o que Pierre Bordieu (Lipiansky, 1998) denomina de “habitus”, ou seja, um conjunto de condições disposições internas, um “núcleo duro”, que integram as experiências passadas e serve como matriz de percepções, de apreciações e de ações. O habitus é compartilhado pelos membros de um grupo ou comunidade que geralmente têm os mesmos tipos de experiências. Assim, as identificações grupais se constituem em estratégias através das quais o indivíduo busca defender sua existência e sua visibilidade social, sua integração com a comunidade, ao mesmo tempo em que valoriza e busca a própria coerência, o que nos ajuda a entender a tendência a um recrudescimento dos agrupamentos culturais e étnicos representados pelo neotribalismo, em oposição às forças uniformizadoras da globalização.
Não é apenas o como ser que as pessoas buscam, mas também o como fazer no mundo pós-tradicional: como se vestir, como se alimentar, como manter os relacionamentos amorosos, como fazer sexo melhor, como se comportar em cada situação, como... Nesse campo fértil, os livros de auto-ajuda multiplicam-se. Além disso, os recursos utilizados para se guiar na selva de informações em que o sujeito contemporâneo se vê perdido podem incluir práticas e saberes “alternativos”, ou “holísticos” – para usar um termo da moda –, como inúmeras formas de medicina e de terapia ditas “naturais” (através dos cristais, das cores, dos aromas, de florais...), orientações dietéticas naturalistas, exercícios de meditação, práticas religiosas orientais, ioga, etc.
É importante notar que, no contexto pesquisado, que inclui pessoas de classe média de Florianópolis, a religião mantém um lugar, ao lado das soluções especializadas, no conjunto de alternativas para a resolução de problemas da vida diária. Ainda que tenha perdido a força normatizadora e a capacidade de fornecer conforto emocional de que gozava nas sociedades tradicionais, a religião aparece como um caminho que ora se contrapõe, ora se sobrepõe, aos sistemas peritos. A ambivalência que permeia as relações cotidianas com a religião é revelada no discurso de Ana Luíza, que diz recorrer freqüentemente a Deus, nos momentos de angústia, para em seguida se lembrar que não acredita em Deus.
Cláudia, por exemplo, relata ter lido não apenas livros de auto-ajuda como outros, de orientação em diversos campos do comportamento, além de ter recorrido numa oportunidade ao aconselhamento de um padre para lidar com seu temor da morte. Paralelamente às religiões hegemônicas (católica e evangélica), o espiritismo e o budismo também são fontes de conforto e guias para a condução da vida diária no nosso meio.
Um sinal claro da reflexividade, ao lado do boom da literatura de auto-ajuda ocorrido nos anos 90, é a popularização da psicanálise e a apropriação do seu vocabulário pela linguagem cotidiana. Conceitos como inconsciente, repressão, neurose, entre tantos outros, passaram a fazer parte dos discursos cotidianos, e a instrumentar as pessoas nos processos auto-reflexivos.
Alguns autores reforçam a opinião difundida de que existe uma crescente dependência das pessoas em relação aos psicoterapeutas, no sentido pejorativo do termo “dependência”, assim como a hipótese que atribui o desenvolvimento das terapias à secularização e ao enfraquecimento da religião tradicional. Não há, entretanto, na terapia, a reprodução de uma autoridade que caracteriza as práticas religiosas. A terapia, tal como a entendemos hoje, é um fenômeno especifico do nosso tempo, sem paralelos com as sociedades tradicionais; um sistema especializado que faz parte do projeto reflexivo do eu, e é típico da reflexividade moderna. Além disso, ao contrário do paradigma religioso, que apontava para a ordem natural das coisas, a noção de mudança é central no paradigma científico, no qual se baseia a atividade psicoterápica (Osorio, 1996).
A terapia, portanto, não é simplesmente um meio de lidar com novas ansiedades, mas uma expressão da reflexividade do eu, “um fenômeno que, no nível do indivíduo, como as instituições maiores da modernidade, equilibra oportunidade e catástrofe potencial em medidas iguais” (Giddens, 2002, p. 38, grifos meus). Em outras palavras, pode tanto provocar dependência e passividade quanto a tomada ativa de decisão sobre a própria vida. O projeto reflexivo do eu toma o lugar dos ritos de passagem das sociedades tradicionais, e busca dar conta de conectar as mudanças pessoais e as mudanças sociais. Lúcia, por exemplo, não tinha sequer uma idéia clara das finalidades de uma psicoterapia até havê-la iniciado, há cerca de um ano. Após este período, chega à conclusão de que nunca tinha parado para pensar em si mesma. Sempre levou a vida “como aquela música: deixa a vida me levar, vida leva eu...”.
Trecho do capítulo Sobre a insegurança ontológica, do livro em produção.