Segundo artigo sobre o cinquentenário de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (foto). O primeiro está aqui.
O sertanejo Riobaldo, narrador incansável de proezas e de infortúnios, de tempos em tempos lembra a seu interlocutor que viver é muito perigoso... Como um grande chefe de jagunços que foi, Riobaldo não tinha e não tem medo de ter medo. Ao contrário, tem a sabedoria de reconhecê-lo e de recomendá-lo. Esse medo que todos temos e que é, antes de tudo, o medo de nós mesmos, de nossas limitações, de nossos erros. “Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos: o que eu descosturava era medo de errar – de ir na boca dos perigos por minha culpa. Hoje, sei: medo meditado – foi isto. Medo de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência”.
O sertanejo Riobaldo, narrador incansável de proezas e de infortúnios, de tempos em tempos lembra a seu interlocutor que viver é muito perigoso... Como um grande chefe de jagunços que foi, Riobaldo não tinha e não tem medo de ter medo. Ao contrário, tem a sabedoria de reconhecê-lo e de recomendá-lo. Esse medo que todos temos e que é, antes de tudo, o medo de nós mesmos, de nossas limitações, de nossos erros. “Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos: o que eu descosturava era medo de errar – de ir na boca dos perigos por minha culpa. Hoje, sei: medo meditado – foi isto. Medo de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência”.
E não há como não temer, pois estamos sempre diante do desconhecido. Queremos nos apegar a crença de que temos controle sobre nosso destino, que são nossas as escolhas que determinam nosso futuro, e que o acaso só se intromete de vez em quando, dando um palpite aqui, outro ali. Lêdo engano: as nossas escolhas têm de negociar com o acaso o tempo todo, para terem a chance de participar do nosso destino. Além do mais, vamos fazendo o caminho na caminhada... A vida é um caminho trilhado “no chão oco do escuro”; um caminho muito perigoso, “porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo”. É o que segue dizendo Riobaldo: “A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada”. Pois é, e tem “os outros”! E quem manda sozinho na sua vida? E é por isso que temos medo também dos outros, esses outros que fazem da nossa vida um mutirão.
Por isso não é possível falar de medo em abstrato, nem enquadrá-lo em dicotomias simples do tipo bom ou ruim, saudável ou patológico. Se medo em demasia pode ser covardia, a sua falta pode ser tolice. Mas, talvez, como psiquiatra, não devesse usar tais termos... Terei de dizer, então, que os extremos são os polos da patologia: de um lado o pânico, a fobia e a paranóia; de outro a impulsividade, os delírios de grandeza e poder, e a auto-destrutividade suicida.
O medo é a matriz de todos os outros sentimentos. Como animais, trazemos as marcas evolutivas do temor aos predadores e aos eventos catastróficos da natureza: os perigos externos que nos ameaçavam. O medo é adaptativo, nos protege como indivíduos e como espécie. Mas, como seres humanos, sentimos a angústia, que nada mais é do que o medo dos perigos internos, dos sentimentos e impulsos conflituosos (e muitas vezes banidos da consciência). Os riscos aos quais mais estamos expostos hoje são mais de natureza simbólica do que concreta (é claro que ainda continuamos sendo ameaçados por predadores, mas estes são outros tipos de animais: assaltantes, sequestradores, estupradores, etc.). As maiores ameaças agora são aquelas à nossa integridade psíquica: o medo de perder o amor e o reconhecimento daqueles que nutrem nossa auto-estima, daqueles que participam do mutirão de nossa vida!
Há, portanto, muitos tipos de medo, como diz Riobaldo: “cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!”, ou ainda, “tem diversas invenções do medo, eu sei, o senhor sabe. Pior de todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia com um grande cansaço”. Aqui, e em muitos outros momentos, Guimaraes Rosa se revela o médico que era, na fala de seu personagem. É este também o caso quando diz que “o que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado”. Um depositado, um resíduo, um produto de experiências as mais diversas, desde aquelas acumuladas pela espécie, aquelas do animal que carregamos em nosso ventre, até aquelas que adquirimos como indivíduos únicos, construídos no trajeto de uma vida única. Uma vida que pode ser resumida assim: “a vida é para esse sarro de medo se destruir; jagunço sabe”.
Um comentário:
Então nunca amei ninguem mesmo,mesmo,mesmo,porque nunca tive medo de perder nem um amor.Nasci indiferente e malvada.O problema é quando se diz que nunca se amou ninguem,vem derepente a ideia nos outros que se esta em caça pra amar alguem.
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