Entre aqueles que sucederam Freud no estudo da formação da personalidade, destacarei aqui o trabalho de dois psicanalistas: Winnicott e Erik Erikson. O inglês David Winnicott dedicou-se especialmente aos processos que ocorrem na relação mãe-bebê (embora ele fale da “mãe”, deve-se entender que se refere à pessoa que mantém o vínculo mais significativo com o bebê). Inicialmente a criança vive num estado de “fragmentação” e não tem a noção clara de ser uma pessoa separada de sua mãe. Somente a partir de uma relação de confiança, com uma “mãe-suficientemente-boa”, que o bebê vai adquirindo aos poucos uma consciência de si. Para isto, é importante que a mãe seja capaz de reconhecer seus primitivos estados de ânimo (fome, frio, desconforto, etc) e de satisfazer as suas necessidades básicas. Na medida em que a mãe lhe dá a segurança de que não vai abandoná-lo, e de que sempre retorna quando se afasta, o bebê gradualmente vai se dando conta de que é um ser separado.
A independência da criança, alicerçada ao mesmo tempo nos vínculos iniciais de dependência, poderá se desenvolver na mesma proporção em que a mãe e os demais cuidadores possam reconhecer e apoiar a sua capacidade de tolerar a espera e os afastamentos. Quando este processo não ocorre de forma satisfatória, estarão dadas condições propícias ao desenvolvimento de uma pessoa insegura de seus próprios valores, e que buscará constantemente a segurança nos relacionamentos com os outros. É a isso que Winnicott denomina de “falso-eu”. O falso-eu é resultante do fracasso nos contatos iniciais do bebê com a mãe, determinando uma fragilidade do senso de identidade pessoal e o desenvolvimento de uma modalidade de relacionamento com os outros baseada na submissão e na busca de aprovação. A pessoa vive num faz-de-conta, tentando se parecer com cada um de quem se aproxima. O cineasta Woody Allen retratou muito bem esse tipo de personalidade no filme Zelig, sobre um homem camaleônico que assume impressionante semelhança com aqueles que o rodeiam. Conforme a narração do filme, “a própria existência de Zelig é uma não-existência. Desprovido de personalidade, ele é um número, um ninguém, um fenômeno em atuação. Ele, que só queria se encaixar, participar, passar desapercebido por seus inimigos, e ser amado; nem se encaixa, nem participa”.
Mais ou menos na mesma época em que Winnicott divulgava suas idéias, em meados do século passado, Erik Erikson, um alemão naturalizado norte-americano, dava uma grande contribuição ao estudo das fases da formação do senso de identidade. Ao estender esse processo até o final da adolescência, Erikson enfatizou a importância dos contextos mais amplos do que a família. Para ele, o senso de identidade é resultante de identificações com nossos pais, parentes, colegas, celebridades, personagens históricas ou ficcionais, etc. Esta constelação de modelos sugere que o processo é contínuo e prolongado, não se encerrando nos primeiros anos de vida.
Também Erikson considera que a aquisição de uma confiança básica na infância é um dos pressupostos para que o sujeito desenvolva um forte senso de identidade. A criança aprende a contar com a presença afetuosa e consistente de seus provedores, imprescindível como fonte de segurança ontológica (a segurança de sermos quem somos) e de auto-estima. A qualidade da relação materna é, assim, determinante para o sucesso das primeiras fases, sem o qual, as demais estarão prejudicadas.
A identidade pessoal – e social – é constituída por múltiplos elementos, e as referências ao tempo e ao espaço são essenciais para sabermos quem somos: onde e quando nascemos, nos graduamos, vivemos e trabalhamos, são informações primárias para a nossa identificação. Num mundo cada vez mais globalizado, também o senso de identidade pode sofrer abalos importantes, uma vez que os espaços ficam cada vez menos definidos por suas qualidades locais (cultura, história, personagens, etc), e são invadidos por influências a distância, e por forças que impõem uma cultura de massas uniformizante.
Toda pessoa tem necessidade de reconhecer a si mesma, e de ser reconhecida, como uma pessoa única, entre tantas outras. Mas há, por outro lado, a necessidade de pertencimento: a sensação de que não se está só, de que se faz parte de uma comunidade, de uma religião, de uma cultura ou de uma nação. A construção da identidade envolve, portanto, estas duas forças contraditórias e complementares: a vontade de ser único e a vontade de fazer parte. (A ser continuado...)
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